Folha de S. Paulo


Policiando o futuro

SÃO PAULO - Muito esquisita essa história de a França confiscar o passaporte de seis jovens com pendores jihadistas para evitar que eles se juntem a milícias radicais no Oriente Médio. Não nutro nenhuma simpatia pelo Estado Islâmico e assemelhados. Aquilo é a barbárie em estado bruto e o mundo seria um lugar bem melhor se esses grupos fossem definitivamente derrotados. Ainda assim, países democráticos, como a França pretende ser, precisam seguir algumas regrinhas básicas do chamado Estado de Direito.

Ou bem os seis suspeitos cometeram concretamente algum crime na França e por ele devem responder, ou são cidadãos livres, podendo circular por onde bem entenderem. Simpatizar com radicais e defender, com palavras, sandices políticas e religiosas não pode ser considerado delito numa democracia.

Ao impedir os suspeitos de viajar para evitar que venham a perpetrar atentados terroristas, o governo flerta com um conceito perigoso, que é o de prevenir crimes restringindo direitos. Mas como justificar a restrição antes de o delito ter sido cometido?

A probabilidade de os jovens jihadistas se converterem em terroristas de verdade é alta, dirá o observador com inclinação para a estatística. Concordo, mas análises probabilísticas são incompatíveis com o princípio da presunção de inocência e, mais importante, com a flecha do tempo, que assegura que, para objetos macroscópicos, causas precedem os efeitos. Isso significa que é não apenas ilógico como também imoral punir alguém antes de ele ter cometido o crime, ainda que o consideremos na iminência de fazê-lo.

Esse é um dilema que, cada vez mais, fará parte de nossa realidade. Com o auxílio do "big data", cientistas deverão identificar novas e mais robustas correlações entre crime e fatores como transtornos mentais, infâncias problemáticas, características de personalidade. O que faremos com esse conhecimento?


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