Folha de S. Paulo


Eles endoidaram

SÃO PAULO - Sempre que leio o noticiário jurídico-futebolístico fico com a sensação de ter voltado para os tempos de Gengis Khan. E não falo apenas da violência das torcidas.

Fiquei quase atônito quando li, na semana passada, que o Ministério Público recomendara e a Federação Paulista de Futebol acatara a proibição da venda de ingressos a corintianos. A ideia era que, para evitar brigas entre as organizadas, o jogo entre Palmeiras e Corinthians tivesse apenas torcedores alviverdes.

Somos quase todos contra a violência e isso às vezes nos faz perder a perspectiva. A proposta do MP porém, ao contrário do que pode parecer, não é moralmente neutra. Para constatá-lo, basta substituir o "corintianos" por "judeus" ou "comunistas". Não é preciso mais para perceber que é errado vetar a entrada de alguém num espetáculo público em função de suas convicções pessoais.

Esse não é o primeiro flerte do pessoal do esporte com o consequencialismo sem rédeas. Os próprios códigos esportivos trazem a previsão, por vezes utilizada, de coibir o mau comportamento de alguns excluindo todos os torcedores, a imensa maioria dos quais não fez nada de errado, de partidas futuras. Pode até ser que funcione, mas o nome disso, em português claro, é punição coletiva, instituto rejeitado com veemência pelo direito contemporâneo.

A comparação cabível aqui é com a legião romana. Quando os soldados faziam algo de que os generais não gostavam, mostrando-se covardes, por exemplo, o castigo padrão era matar cada décimo legionário, independentemente do que aquele homem em particular tivesse feito. É daí que veio a palavra "dizimar". Funcionava –e com a vantagem de comprometer apenas 10% da força.

O ponto nevrálgico é que nem tudo que funciona deve ser aplicado. Sou fã do consequencialismo, mas, sem temperá-lo com alguns princípios deontológicos, acabamos criando verdadeiros monstros.


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