Folha de S. Paulo


Ideologia e saúde

SÃO PAULO - A ideologia é um troço esquisito. Ela não se limita a turvar a visão das pessoas em relação aos assuntos de sempre, como papel do Estado, aborto, legalização das drogas, mas também está sempre em busca de novos temas sobre os quais possa lançar seus feitiços.

Um caso bem documentado desse fenômeno é a atitude dos norte-americanos em relação ao aquecimento global. Mais ou menos até os anos 80, a proteção ambiental em geral e o efeito estufa em particular não constituíam questões ideológicas. A probabilidade de um político defender uma plataforma ambientalista era praticamente a mesma fosse ele democrata ou republicano.

Do final dos anos 90 para cá, porém, o panorama mudou bastante. Pesquisa do Instituto Gallup mostra que, em 1998, 47% dos eleitores republicanos e 46% dos democratas concordavam com a afirmação de que os efeitos do aquecimento global já se faziam sentir. Em 2013, os números eram 67% para os democratas e 39% para os republicanos.

Agora, assistimos praticamente ao vivo a um movimento semelhante em relação a um tema improvável: as vacinas. Os EUA vivem hoje um surto de sarampo que pode ser diretamente ligado à queda nas taxas de vacinação. E há dois tipos de pais que deixam deliberadamente de vacinar seus filhos.

Pela direita, temos ultraconservadores religiosos que desconfiam de tudo o que venha de cientistas ou do governo e, pela esquerda, há, principalmente na Califórnia, bolsões de liberais desmiolados que acreditam sem base fática que a vacina tríplice viral está associada a casos de autismo.

Em comum, ambos colocam suas convicções, que têm muito mais de emocional que de racional, à frente de sólidas evidências científicas. Pior, sua obstinação faz com que ponham em risco não só seus próprios filhos como também terceiros. Nunca foi tão verdadeira a máxima segundo a qual a ideologia faz mal à saúde.


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