Folha de S. Paulo


Entre a cruz e a espada

SÃO PAULO - Para Thomas Hobbes, o homem é o lobo do homem. É só a presença de uma autoridade com poder quase ilimitado que nos impede de cair na guerra de todos contra todos. Já para Jean-Jacques Rousseau, o homem é originalmente bom e gentil. Foram coisas como a sociedade e a propriedade privada que o corromperam.

Entre esses dois extremos filosóficos, trabalhos recentes na fronteira entre a biologia, a antropologia e a linguística oferecem uma perspectiva mais nuançada e provavelmente mais realista. Condenado a equilibrar-se entre as muitas tentações do interesse próprio e a necessidade de viver em sociedade, o homem é um ser que em geral coopera com seus semelhantes, mas que frequentemente sucumbe a uma oportunidade de levar vantagem à custa dos outros. É essa dinâmica dual que engendra a cultura humana, uma ampla coleção de convenções e práticas sociais que visam a promover a coesão e a prosperidade do grupo que compete com outros grupos.

O biólogo e matemático Mark Pagel, em "Wired for Culture" (conectados para a cultura), explora com maestria esses meandros da sociabilidade humana. Ele aborda aspectos tão diversos como arte, moral, preconceito, oferecendo alguns "insights" realmente novos para explicar fenômenos tão bizarros como a consciência, o soldado que dá a vida pelo companheiro de armas ou a diversidade linguística da Nova Guiné.

Não vou dar uma de desmancha-prazeres antecipando as respostas. Apenas adianto que Pagel amplia a ideia, comum entre biólogos, de que o corpo é apenas um jeito eficiente que os genes encontraram de garantir sua perpetuação, para abarcar também a cultura. Nossas práticas sociais, temperadas pela capacidade única de humanos de copiar uns aos outros e acumular conhecimento, seriam uma forma que os genes arrumaram de assegurar seus interesses de longo prazo.


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