Folha de S. Paulo


Exagero flagrante

SÃO PAULO - Os dois principais candidatos a tiranizar o homem são, pela ordem, o poder do Estado e a ditadura da opinião pública. Os remédios jurídicos para pelo menos atenuar essas ameaças são os direitos e garantias fundamentais descritos no artigo 5º da Constituição.

Trata-se de dispositivos como a presunção de inocência, o direito de não ser preso sem o devido processo legal, a liberdade de expressão e de imprensa etc. Nesse contexto, eu sou um garantista, isto é, vejo esses mecanismos como o verdadeiro teste do pudim a diferenciar democracias de governos autoritários.

Eles precisam ser levados a sério, mesmo que isso signifique abrir mão de objetivos socialmente desejáveis. Acho que é correto, por exemplo, anular um processo (e soltar um bandido) se as provas usadas na sua condenação foram obtidas ilegalmente.

Fiz essa longa preliminar para dizer que advogados que vêm escrevendo artigos, nesta Folha e alhures, contra a prisão dos diretores de empreiteiras estão, a meu ver, exagerando. Mesmo reconhecendo que sua preocupação é legítima, parece demasiado comparar uma prisão cautelar que, à primeira análise, cumpre as exigências legais a tortura.

Esses defensores abraçam uma concepção idealizada da realidade, na qual decisões só se legitimam se tomadas em condições de total ausência de interferências externas. Ora, no mundo real isso não existe. Do pai que rouba comida para alimentar o filho ao juiz que o condena após ter brigado de manhã com a mulher, todas as nossas escolhas ocorrem sob influência de uma infinidade de constrangimentos físicos e processos neurofisiopsicológicos dos quais nem suspeitamos.

Aqui, eu concordo com Sartre, para o qual a facticidade, isto é, os detalhes concretos de um mundo que não controlamos, ao mesmo tempo em que limita a nossa liberdade é a condição para que ela exista. É por isso que ela se confunde com angústia.


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