Folha de S. Paulo


Populismo penal

são paulo - Acho bastante positivo que nosso "Zeitgeist" (espírito da época) tenha se voltado contra a intolerância. Receio, contudo, que, no afã de travar o bom combate, tenhamos passado por cima de certos princípios básicos do direito.

Falo especificamente dos muitos tratados internacionais, convenções e também das legislações nacionais que agravam penas para crimes contra a humanidade e crimes de guerra e os tornam delitos imprescritíveis.

Até por razões familiares, não tenho nenhuma simpatia por genocidas e assemelhados, mas é difícil não reparar na contradição entre as sanções mais duras e a lógica mesma do direito penal, segundo a qual um ato ilegal (o elemento objetivo de um delito ou "actus reus") só se torna criminoso se houver intenção de cometê-lo, a famosa "mens rea".

E o problema aqui, por tudo o que nos ensina a psicologia social, é que são justamente nas situações de guerra que a vontade fica mais fraca. Em condições normais, são mínimas as chances de eu sair por aí estripando vizinhos que tenham um tipo físico ligeiramente diferente do meu. Mas, se eu vir todo o mundo no meu bairro fazendo isso, a probabilidade de eu imitá-los fica maior.

É o que o psicólogo Phil Zimbardo mostrou ao conduzir o célebre experimento da prisão de Stanford, a partir do qual concluiu que basta uma pequena pressão do grupo para fazer uma pessoa psicologicamente normal flertar com a barbárie.

Juntando tudo isso, temos que o cidadão comum que comete delitos em contextos históricos excepcionais como o nazismo ou a guerra civil em Ruanda têm menos "mens rea" do que um que faça a mesma coisa numa situação de normalidade social. A pergunta, então, é: faz sentido atribuir-lhe penas mais duras?

Minha sensação é a de que, a exemplo do Congresso brasileiro com sua Lei de Crimes Hediondos, organismos internacionais sucumbiram ao populismo penal.


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