Folha de S. Paulo


Os nomes e as ruas

SÃO PAULO - O prefeito de Taquari (RS), terra natal de Costa e Silva, mandou arrancar um busto do general que adornava o principal parque da cidade. Para o alcaide, a Comissão da Verdade mostrou que Costa e Silva era um ditador e ditadores não devem ser homenageados.

Vale a pena derrubar estátuas e rebatizar logradouros que receberam nomes de pessoas ligadas ao período autoritário? Do ponto de vista moral, fecho com o prefeito. É complicado homenagear gente que esteve envolvida com graves violações a direitos.

O problema é que um nome de rua não é só um tributo à memória de um indivíduo, mas envolve também uma função de referência. Depois que um lugar qualquer recebeu seu nome de batismo e por ele ficou conhecido, mudá-lo implica produzir confusão e desencontros.

Há uma interessante discussão filosófica sobre o que há por trás de nomes próprios. Uma corrente, iniciada por Betrand Russell, sustenta que nomes podem ser substituídos por descrições unívocas contextualmente adequadas. Tom Jobim, por exemplo, equivale a "músico brasileiro que compôs 'Garota de Ipanema'". É baseado nessa concepção que faz algum sentido batizar logradouros com nomes de pessoas reais com o intuito de homenageá-las.

Outros filósofos, como Saul Kripke e Hilary Putnam, viram problemas nesse modelo. Podemos imaginar uma Terra gêmea na qual Tom Jobim tenha morrido aos dois anos de idade, antes de compor a música que o celebrizaria. Neste mundo alternativo, "Tom Jobim" ainda designa a criança morta precocemente, mas já não satisfaz à descrição. Nomes próprios devem, portanto, ser tomados como designadores rígidos válidos em todos os universos possíveis. Por essa concepção faz menos sentido cassar nomes de ruas e viadutos.

Não sei como resolver a polêmica, mas sugiro vivamente que paremos de batizar logradouros com nomes de gente. Biografias são traiçoeiras.


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