Folha de S. Paulo


Receita para a tirania

SÃO PAULO - Com décadas de atraso, os EUA decidiram relaxar um pouco o cerco diplomático e econômico que impõem a Cuba. Não é preciso ser um gênio da geopolítica para perceber que, se a meta é transformar a ilha caribenha num país um pouco mais livre e democrático, a estratégia de atrair os cubanos para o mercado faz muito mais sentido do que a de isolá-los. É o que Washington já fez com certo sucesso em relação à China, ao Vietnã e outros quase ex-comunistas.

Isso dito, gostaria de levantar uma outra questão. Como são possíveis ditaduras? O que faz com que milhões de pessoas se sujeitem à tirania de uma pequena elite?

Em primeiro lugar, como já dizia Thomas Hobbes, mesmo o pior príncipe é preferível à anarquia. Por maiores que sejam os abusos dos autocratas, alguma centralização já ajuda a criar estruturas básicas de segurança, produção e distribuição de bens e resolução de conflitos que beneficiam a todos. No caso de Cuba, os serviços de educação e saúde parecem até ser bem razoáveis.

Tiranos também têm por hábito tomar medidas que inibam o surgimento de uma oposição organizada, como criar aparelhos repressivos, censurar inovações etc. Some-se a isso o natural receio das pessoas de meter-se numa revolução, que não raro custa a vida aos envolvidos, e temos bons motivos para aceitar líderes mesmo que ilegítimos.

Um ponto ainda mais fundamental, como mostra o biólogo Mark Pagel, é que, na grande maioria de nossas atividades, ignoramos o macro e nos limitamos a seguir regras locais de interação com familiares e vizinhos, onde a questão da liderança nem se coloca. Essas regras locais são algoritmos análogos aos que fazem com que peixes nadem em cardume ou que formigas construam seus formigueiros. Mesmo vivendo em sociedades de milhões, nossos mundos particulares são pequenos e raramente incluem o ditador.


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