Folha de S. Paulo


Ortodoxos X heterodoxos

SÃO PAULO - Intelectuais de esquerda andam chateados com Dilma porque ela vem acenando com uma gestão ortodoxa da economia. Para essa turma, a presidente foi eleita com um claro mandato para adotar políticas heterodoxas, que privilegiem a manutenção do emprego e da renda dos assalariados.

Não sou eu quem vai negar que tenha havido um estelionato eleitoral, mas penso que a "traição" já era razoavelmente visível mesmo antes da votação e que, ao fim e ao cabo, ela tende a ser melhor para o país do que as ditas soluções alternativas. O debate aqui, no final das contas, é sobre o estatuto epistemológico da economia, ou seja, até que ponto ela pode ser considerada uma ciência.

Se tomarmos como parâmetro a capacidade de fazer previsões acuradas, economistas são um desastre. A melhor evidência vem de um estudo de 2005 do psicólogo Philip Tetlock. Ele coletou, ao longo de 20 anos, dezenas de milhares de prognósticos feitos por centenas de experts em economia e os comparou com os desfechos do mundo real. Na média, os especialistas se saíram milimetricamente melhor do que um macaco escolhendo previsões ao acaso.

Isso significa que podemos esquecer os economistas e correr para os astrólogos? Não tão rápido. O fato de a economia não possibilitar previsões tão precisas como as da física não significa que ela não valha nada. Ela já identificou, por experiência, alguns princípios que valem na maior parte das situações. São coisas muito básicas como a correlação entre nível de investimentos privados e perfil das contas públicas, ou entre juro e inflação. O sistema é complexo demais para que possamos extrair previsões numericamente exatas, mas não para saber que, mexendo numa ponta, afetamos a outra.

Economistas heterodoxos, mais do que os ortodoxos, ficam tentados a desafiar esses princípios quando estão no poder. E isso é perigoso, como se provou no governo Dilma 1.


Endereço da página: