Folha de S. Paulo


Propaganda e logro

SÃO PAULO - O Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária (Conar) investiga se as empresas Diletto, que faz sorvetes, e Do Bem, fabricante de sucos, agiram de modo antiético por inventar histórias fantasiosas sobre si mesmas.

A Diletto conta que sua vocação sorveteira remonta a nonno Vittorio, o avô de um dos sócios, que teria emigrado de um vilarejo no Vêneto após a 2ª Guerra, trazendo consigo a experiência em fabricar picolés artesanais a partir de frutas frescas e neve. O próprio sócio, porém, já admitiu que o único elemento de verdade na narrativa é que o avô veio do Vêneto. Ele não se chamava Vittorio e nunca fabricou sorvetes.

A pergunta que o Conar terá de responder, no fundo, é se a propaganda pode mentir. E penso que o órgão cometerá suicídio se concluir pela negativa. A própria ideia de publicidade, que busca enaltecer as virtudes de um produto, calando sobre seus defeitos, já constitui uma forma de mentira, se adotarmos uma definição inelástica de verdade.

Isso significa que empresas e agências podem partir para o vale-tudo? Não. Uma coisa é fabular sobre as origens da empresa, evocando cenários idílicos e mobilizando emoções positivas no consumidor, e outra muito diferente seria falsear informações técnicas, como a tabela nutricional. A segunda implica ilícitos penais e morais, enquanto a primeira, creio, permanece no reino das mistificações aceitáveis. Eu diria até que o consumidor que acreditou nas historietas é que tem um problema.

Gostemos ou não, a mentira é parte irredutível de nossas naturezas. Nosso cérebro muitas vezes "pensa" através de narrativas, às quais vamos ajustando os fatos. A sociedade já pode se dar por satisfeita se conseguir banir as inverdades em contextos especiais, como testemunhos judiciais e trabalhos científicos. Se levarmos a ferro e fogo a ideia de que a propaganda não pode mentir, o que seria dos pobres políticos?


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