Folha de S. Paulo


Prazeres secretos

SÃO PAULO - Para quem acompanhou a campanha eleitoral com doses de saudável ceticismo ou, pelo menos, de forma não muito apaixonada, as primeiras nomeações de Dilma Rousseff exalam uma combinação de ironia com embuste. A presidente, afinal, dá indícios de que fará mais ou menos aquilo que denunciava como crimes que seus adversários estariam arquitetando contra a população.

É difícil ver o convite a Joaquim Levy, alto funcionário do Bradesco, sem lembrar a propaganda da candidata Dilma que sugeria que banqueiros no poder fariam faltar comida no prato dos pobres. Os mais cínicos esboçamos um sorriso sarcástico diante da incongruência, mas pessoas com maior investimento emocional na política simplesmente não conseguem recorrer a essa saída fácil.

O problema básico é que seres humanos não suportamos bem a dissonância cognitiva, que é o nome que psicólogos sociais dão à contradição. Quando nossas ideias, crenças e memórias se revelam incompatíveis, o cérebro intervém para tentar harmonizá-las. Ele vai modificando um ou mais desses elementos até que o conjunto se torne palatável. Nesse processo, coerência e lógica estão entre as peças mais sacrificáveis.

O psicólogo Drew Westen estudou como isso ocorre no cérebro de militantes políticos, metendo-os em máquinas de ressonância magnética e monitorando suas reações enquanto assistiam a cenas de seus líderes caindo em contradição. Westen não apenas foi capaz de detalhar os mecanismos que a mente utiliza para apaziguar o conflito mas também descobriu que ela pode extrair sensações positivas desse exercício. Entre os circuitos ativados estavam os sistemas de recompensa do cérebro.

Se esse modelo é válido, mais do que uma explicação de por que Dilma não enrubesce quando chama um banqueiro para a Fazenda, podemos até suspeitar de que ela sinta um prazer secreto ao fazê-lo.


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