Folha de S. Paulo


Bônus migratório

SÃO PAULO - Não adianta. Vivemos em sociedades complexas, cujas cidades abrigam populações que se contam aos milhões, mas continuamos com cérebros forjados para a Idade da Pedra, em que nosso horizonte era o de bandos de menos de 200 pessoas, a maioria parentes.

Esse descompasso fica claro no debate sobre imigração nos EUA. Os que se opõem a uma reforma imigratória, notadamente a direita do partido republicano, explora o sentimento de que o estrangeiro é o perigo. Ele não apenas rouba os empregos dos locais como ainda drena preciosos recursos públicos que deveriam ser destinados aos cidadãos natos.

Essas ideias, embora falsas, estão profundamente incrustadas em nossos cérebros. Até recém-nascidos manifestam preferência por pessoas que falam a língua de seu grupo. A razão principal é que fomos programados para um ambiente em que fazia todo sentido evitar estrangeiros. Eles não tinham nada a nos oferecer além de doenças e ainda apresentavam a irritante tendência de nos atacar antes que nós os atacássemos.

Essa lógica antiestrangeiro só começou a mudar com o advento do comércio, que transformou outros povos num ativo em vez de um risco. Esse, porém, é um desenvolvimento recente demais para ter deixado marcas em nossos genes. Substitutos culturais, como as regras de hospitalidade e leis contra o linchamento, funcionam apenas parcialmente.

Há uma verdadeira guerra de estudos para definir se imigrantes ilegais são doadores ou recebedores líquidos de recursos. Eles, afinal, pagam boa parte dos impostos e se valem de poucos dos benefícios. Essas contas, entretanto, raramente consideram fatores mais difíceis de pôr um preço. Quanto vale, por exemplo, evitar que os EUA caiam nas mesmas armadilhas demográficas que ameaçam os países mais ricos da Europa? Quando consideramos esses imponderáveis, a imigração começa a soar mais como bônus do que como ônus.


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