Folha de S. Paulo


Estradas da fé

SÃO PAULO - Já se sabia que a abertura de rodovias induz ao desmatamento, mas um novo trabalho dos demógrafos José Eustáquio Diniz Alves, Suzana Cavenaghi e Luiz Felipe Walter Barros, do IBGE, mostra que estradas também precipitam mudanças religiosas.

O artigo "A transição religiosa brasileira e o processo de difusão das filiações evangélicas no Rio de Janeiro", que será apresentado no 19º Encontro Nacional de Estudos Populacionais, a realizar-se em São Pedro (SP) nesta semana, analisa os dados do Estado do Rio (que costuma antecipar em duas ou três décadas o que acontecerá com o Brasil em termos de religião) e conclui que a população católica continua perdendo espaço para outras denominações, notadamente os evangélicos pentecostais e neopentecostais. Se as tendências se mantiverem, até 2030 os católicos se tornarão menos de 50% dos brasileiros.

Até aí não há muita novidade. Outros estudos dos mesmos autores já haviam apontado essa tendência. O novo trabalho, porém, mostra que a ebulição religiosa é muito mais intensa ao longo dos eixos das duas principais rodovias que cortam o Estado, a Dutra e a BR 101. Nas cidades que margeiam essas estradas, os evangélicos crescem muito mais rapidamente do que em outras áreas.

Esse achado é consistente com a tese de que os evangélicos divulgam sua doutrina e fidelizam seus clientes segundo critérios de mercado e valendo-se de um padrão de contato porta a porta. Possuir rádios e TVs ajuda, mas interações sociais diretas são insubstituíveis.

E o que pensar desse troca-troca religioso e da mercantilização da fé? Embora muitos vejam o fenômeno com maus olhos, creio que ele evidencia um fato auspicioso. No mundo de hoje, as pessoas se sentem aptas a contestar a tradição e decidir por si mesmas a que grupos irão pertencer. Isto é, se quisermos, uma das definições de liberdade.


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