Folha de S. Paulo


Exercício da virtude

SÃO PAULO - Levantamento feito pela Folha mostrou que 61% dos links compartilhados em redes sociais têm origem no jornalismo profissional. Interessante, mas não creio que isso nos leve muito longe. Se a ideia é contrapor-se à polarização e ao ambiente por vezes intolerante das redes, a procedência do material não é tão importante.

É claro que uma pessoa de bom senso desconfia de um pesquisa eleitoral ou de um estudo técnico forjados em comitês eleitorais, mas esse tipo de situação quase nunca ocorre. No mundo real, se tomarmos uma coleção suficientemente longa de qualquer bom periódico jornalístico, vamos encontrar tanto textos que favorecem um determinado político como os que o prejudicam. Lembre-se de que mesmo um relógio parado fica certo duas vezes por dia.

O problema da radicalização não está tanto na origem daquilo que você lê, mas no tipo de discussão a que você se expõe. Estudos psicológicos mostram que, se duas pessoas que pensam de forma semelhante passarem algum tempo interagindo, a tendência é que uma reforce as crenças da outra e ambas saiam com posições ainda mais extremadas. O antídoto contra esse efeito não está em ler textos equilibrados, mas em aventurar-se a ouvir e considerar tão seriamente quanto possível os argumentos contrários à sua posição.

A leitura de um bom jornal ou revista é útil não só porque esse tipo de publicação confere a veracidade das coisas antes de divulgá-las mas principalmente porque, quando damos uma espiadela no conjunto dos textos, nos obrigamos a considerar ainda que por um instante teses, crenças e raciocínios com os quais não concordamos. É nessa fresta que temos a oportunidade, senão de mudar de ideia, pelo menos de sofisticar os nossos próprios argumentos.

É Aristóteles quem afirmava que a virtude moral, mais do que uma questão de berço, é o resultado de cultivar bons hábitos.


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