Folha de S. Paulo


Tentações e escrúpulos

SÃO PAULO - Ao que tudo indica, o governo atrasou a divulgação de dois indicadores que não lhe são favoráveis para que não aparecessem durante a campanha eleitoral.

Os dois dados sonegados são o aumento de 3,7% no total de miseráveis ou indigentes no Brasil, que passaram de 10,08 milhões em 2012 para 10,45 milhões em 2013, e o salto de 122% no desmatamento da Amazônia em agosto e setembro quando comparados aos mesmos dois meses de 2013. O primeiro número foi apurado pelo Ipea, e o segundo, pelo Inpe. Ambos estavam disponíveis antes da realização do segundo turno, mas só vieram a público depois.

É impossível não evocar aqui um célebre episódio de 1994 envolvendo o então ministro da Fazenda, Rubens Ricupero. Em meio à campanha eleitoral que opunha o então candidato governista Fernando Henrique Cardoso ao oposicionista Luiz Inácio Lula da Silva, Ricupero, numa conversa com jornalistas da Rede Globo que acreditava erroneamente não estar sendo transmitida, disse: "Eu não tenho escrúpulos; o que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente esconde". O diálogo foi ao ar para os lares que captavam o programa por parabólicas e o ministro acabou caindo alguns dias depois.

Como é sempre didático (e até um pouco covarde) acompanhar as reações de políticos quando passam da oposição à situação, vale registrar os termos que Lula utilizou à época para referir-se ao caso: "falcatrua", "mutreta" e "bandidagem eleitoral".

Como estou convencido de que a máxima de Ricupero é uma característica da natureza humana e não um problema de caráter, como as oposições sempre querem fazer transparecer, a única forma de proteger o eleitor desse tipo de sabotagem é profissionalizando os institutos e agências responsáveis por informações e exigindo que cumpram rigorosamente o calendário de divulgação de dados. Precisamos afastar dos políticos a tentação de não ter escrúpulos.


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