Folha de S. Paulo


Decência perdida

SÃO PAULO - Dilma Rousseff, até prova em contrário, não é vilã de filme de Hollywood. Como, então, autorizou sua campanha a desferir ataques tão baixos e politicamente inconsistentes contra Marina Silva?

A racionalização mais óbvia para esse tipo de situação recorre à ética consequencialista. Não se faz omelete sem quebrar os ovos. Se Dilma está convencida de que tem o melhor projeto para o país, precisa necessariamente vencer o pleito para poder implantá-lo. Fazê-lo pode cobrar alguns danos colaterais.

Há outros fatores ligados à "Realpolitik", mas que não convém ao PT explicitar. O mais crítico é que, se o partido for derrotado, milhares de militantes e aliados perderão empregos, cargos de chefia e esquemas.

É verdade que a política não é para anjos. Quem se dispuser a fazê-la com base na obediência cega a preceitos morais irá quebrar a cara, ou, pior, flertar com distopias do tipo do Estado Islâmico. Se a política tem um princípio irredutível, é o de que é quase sempre possível forjar soluções negociadas que, se não contentam a todos, ao menos poupam a sociedade de traumas maiores.

A questão que se coloca para o eleitor normal, isto é, sem interesses materiais diretos na vitória deste ou daquele candidato, é até que ponto deve tolerar que os chamados imperativos de realidade prevaleçam sobre princípios morais caros à coletividade, como não mentir (pelo menos não muito descaradamente), combater adversários com lealdade etc.

A maldição ética da humanidade é que estamos condenados a saltitar eternamente entre as lógicas consequencialista e principista, que, em estado puro, se revelam ambas inutilizáveis. A proporção exata desses dois ingredientes que cada um está disposto a admitir é receita pessoal e intransferível. Sinto-me, porém, obrigado a dizer que, mesmo com confessados pendores consequencialistas, penso que o PT abandonou o necessário senso de decência.


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