Folha de S. Paulo


Uma defesa dos cambistas

SÃO PAULO - Com a Copa avançando, multiplicam-se as notícias sobre pessoas detidas em esquemas ilegais de venda de ingresso. Ao contrário de muitos, não condeno a priori toda a atividade de cambistas. Como o assunto é polêmico, vale qualificar melhor minha posição.

Embora a legislação em vigor trate todos da mesma forma, há cambistas e cambistas. O indivíduo que, com a conivência de clubes e assemelhados, açambarca centenas de ingressos e os vende acima do preço de tabela está, por certo, cometendo uma infração legal e também moral. O mesmo vale para a entidade esportiva que com ele compactuou. Eles reduziram a quantidade de entradas à disposição do público e lucraram em cima da carência que ajudaram a provocar.

Imaginemos agora a situação de um sujeito que adquire um par de ingressos. Só para tornar o caso mais palatável, vamos supor que ele planejava assistir ao jogo com seu filho, mas houve uma emergência familiar e eles não poderão ir. Aqui parece razoável que ele possa revender os bilhetes. Vamos também supor que todos os lugares estão esgotados e há gente disposta a pagar bem mais que o valor de aquisição. Será que, neste caso, ele está moralmente obrigado a fazer a revenda pelo preço original?

Como bom consequencialista, eu penso que não. Nosso hipotético cambista não provocou a falta de ingressos. Ao vender o bilhete por um preço maior, ele não prejudica ninguém e deixa pelo menos duas pessoas mais felizes (ele próprio e quem conseguirá ver o jogo, mesmo sem ter se programado para comprar o ingresso com antecedência). Podemos até dizer que ele presta um serviço, ao promover uma alocação mais eficiente dos recursos existentes.

O ponto é que, uma vez que aceitamos a lógica de mercado em certas esferas da vida, não dá para quere ficar limitando-a com base apenas em impulsos moralizantes. Se não há vítima, não pode haver crime.


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