Folha de S. Paulo


Leis impossíveis

SÃO PAULO - Uma boa lei é a solução de compromisso entre a conduta que se quer promover ou coibir e o que é factível. Uma norma que proíba aquilo que quase todo o mundo faz –sexo, por exemplo– está fadada a ser uma daquelas clássicas leis que não pegam. De modo análogo, peças que não discriminem de forma minimamente eficiente comportamentos lícitos dos ilícitos estão destinadas a produzir muitas discussões e poucos resultados.

No Brasil, devido a uma perversa combinação de processo legislativo capenga com ambiguidades úteis, abundam as regras do segundo tipo. No presente momento, estamos às voltas com duas delas: a legislação eleitoral e a de greve.

A lei n° 9.504, que regula os pleitos, é um exemplo perfeito da busca pela quadratura do círculo. Ela até que tenta ser clara. O caput do artigo 36 é peremptório: "A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição". Mas, como o dispositivo contradiz os aspectos mais básicos da realidade, logo vem o artigo 36-A, que define uma série de atividades que não são consideradas propaganda.

O resultado é um detalhismo autofágico. Segundo as interpretações mais correntes, até o mágico dia 5 de julho "pré-candidatos" podem participar de debates, seminários (estes, apenas em ambientes fechados), discutir plataformas e tomar posições políticas, mas não podem pedir votos. Ganha uma medalhinha de santo Tomás de Aquino quem conseguir explicar a diferença metafísica entre aparecer como "pré-candidato" tagarelando sobre o que faria no cargo e falando mal de seus rivais e dizer-se "candidato" pedindo votos.

Verificamos o mesmo fenômeno de regulação impossível na Lei de Greve (n° 7.783), que autoriza paralisações, mas, no caso de atividades ditas essenciais, elas só podem ocorrer se a prestação dos serviços indispensáveis for assegurada –ou seja, se não atrapalharem ninguém.


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