Folha de S. Paulo


Por trás dos xingamentos

SÃO PAULO - Os xingamentos endereçados à presidente Dilma Rousseff configuram uma tremenda falta de educação, mas dificilmente um atentado à democracia, como se sugeriu. De todo modo, proponho hoje uma questão diferente: por que palavrões nos incomodam?

Exploro a seguir ideias do linguista Steven Pinker. O primeiro aspecto a ressaltar é que obscenidades envolvem pensamento mágico. Embora um dos fundamentos da linguística seja a noção de que o vínculo entre significado e significante é arbitrário, no que diz respeito a termos-tabu agimos como se bastasse exprimir o nome para escancarar sua essência.

Não estamos, contudo, tratando apenas de uma interessante questão de filosofia da linguagem. Esse mecanismo parece ter base neurológica. Certas afasias e síndromes, como a de Tourette, sugerem que blasfêmias e imprecações não ocupam o mesmo circuito cerebral que normalmente processa a linguagem. Pessoas que perderam completamente a capacidade de falar, por vezes, ainda conseguem xingar. Em alguns quadros de Tourette, fazê-lo se torna um impulso irrefreável, um tique nervoso.

Os mecanismos não são conhecidos, mas tudo indica que palavrões estão relacionados a áreas do cérebro mais ligadas a emoções. Duas estruturas suspeitas são a amídala, que dá conteúdo emocional às memórias, e os gânglios basais, envolvidos na inibição de comportamentos.
Em termos funcionais, o xingamento parece servir a muitos propósitos, que vão da agressividade (provocar o conflito) à catarse (praguejar após dar uma topada, por exemplo).

Se esse modelo é correto, tudo o que há de negativo relacionado, por exemplo, à matéria fecal aparece quando pronunciamos "merda", como num encantamento. A tolerância das pessoas a palavrões bem como o grau em que eles evocam conotações desagradáveis variam, mas o desconforto que causam parece estar encravado em nossa biologia.


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