Folha de S. Paulo


Duplo racionamento

SÃO PAULO - É possível que enfrentemos nos próximos meses em vários Estados um duplo racionamento, de água e energia. Como a luz é de responsabilidade primordialmente federal, e a água, estadual, e como os governantes se distribuem por diferentes partidos, o uso eleitoral do racionamento tende a ser limitado. Na verdade, dirigentes de todas as colorações ideológicas já se unem para culpar a estiagem pela situação. Dá para acreditar nisso?

É claro que, se tivesse chovido o esperado, não teríamos problema. Só que não dá para se escudar nesse truísmo para fugir à responsabilidade. Secas e sua contraparte, as inundações, são os mais previsíveis dos fenômenos naturais. Não sabemos bem quando virão, mas é certo que em algum momento darão as caras.

O risco de a "estiagem (ou a enchente) do século" ocorrer nos próximos 12 meses é, por definição, de 1%. Parece pouco, mas, ao longo de dois mandatos, período normal de permanência de políticos à frente de um governo, ele passa a 8%, que já não é uma probabilidade que possa ser ignorada sob a rubrica "muito azar".

Poderíamos até descrever a história da humanidade como uma batalha para tentar, primeiro, sobreviver às intempéries e, depois, controlá-las. Uma das grandes migrações humanas para fora da África, 135 mil anos atrás, parece ter sido motivada por uma seca. Indícios arqueológicos associam algumas das primeiras civilizações à construção de canais para controlar as cheias de rios e lagos.

Precaver-se contra as variações climáticas e suas consequências está, assim, entre as primeiras e mais inafastáveis tarefas dos governantes. Daí não decorre, é claro, que eles precisem nos blindar contra tudo. Ainda que isso fosse possível, teria custos astronômicos. Mas, quando tentam nos convencer de que um verão atípico basta para causar tantos problemas, é razoável supor que houve incúria generalizada, não de uma mas de sucessivas administrações.


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