Folha de S. Paulo


Porta de saída

SÃO PAULO - A Câmara aprovou um projeto de lei que reserva 20% das vagas em concursos públicos para negros. Não sou um entusiasta de cotas. A ideia de que o Estado possa classificar pessoas por suas características fenotípicas e com base nisso definir seus direitos tem algo de arrepiante. Admito, porém, que, em certas situações e observados alguns cuidados, a coisa pode funcionar.

Um problema inerente a toda política de cotas é o de quando parar. Nem o mais ferrenho defensor desses mecanismos pretende que eles sejam eternos, já que encerram um paradoxo: têm como ponto de partida o reconhecimento de distinções raciais, que são justamente aquilo a que as ações afirmativas visam pôr fim. Cotas, assim, só se justificariam como algo provisório, a ser mantido até que grupos que sofreram discriminação superem desvantagens históricas.

Determinar quando o passado deixa de atuar sobre o presente é um problema metafísico insolúvel, daí que se buscam outros expedientes. No caso do projeto de lei, o prazo de validade foi arbitrariamente fixado em dez anos. É melhor do que mantê-lo em aberto, mas esse tipo de disposição quase nunca é respeitado, como o prova a zona franca de Manaus, criada em 1967 para durar 30 anos.

Há quem recorra à demografia. Por essa lógica, como mulheres são 50% da população, só haverá igualdade quando elas compuserem 50% do Legislativo. Se negros e pardos são 52%, devem atingir tal proporção em todas as esferas, do serviço público, à TV passando pelo esporte. O problema é que seres humanos são complexos. É possível que mulheres, num lance de sabedoria, não prezem tanto quanto homens a carreira política ou que negros, imbatíveis no atletismo, não sejam tão bons nadadores.

Levar a ferro e fogo a lógica demográfica implica que, em algum momento, estaremos induzindo pessoas a fazer o que não querem. Pior, o que fazer quando a cota é excedida? Nas universidades, mulheres já são 60%.


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