Folha de S. Paulo


Sadismo inato

SÃO PAULO - A reportagem da revista "Veja" que relata supostas regalias concedidas a condenados no mensalão oferece uma boa oportunidade para refletir sobre a cadeia como forma padrão de castigo.

Minha tese, que já expus algumas vezes aqui, é a de que penas de privação de liberdade são uma forma bem pouco racional de punir criminosos, mas continuamos a aplicá-las porque ainda não encontramos coisa muito melhor para usar em seu lugar.

Tomemos o caso da alimentação. "Veja" deu cores de escândalo à informação por ela apurada de que detentos teriam acesso a um cardápio diferente do servido aos demais presos. Concordo que há aí uma boa discussão sobre privilégios e princípios republicanos, mas hoje quero centrar foco no encarceramento.

Em princípio, seria melhor para todos que os presos que tivessem condições financeiras pudessem comprar suas próprias refeições –eventualmente até preparadas por restaurantes chiques. Fazê-lo deixaria os detentos mais bem alimentados, o que é do interesse do Estado, e ainda pouparia o contribuinte de gastar uma boa soma nessa rubrica. Se nos opomos à ideia (e acho que um grande número se opõe), é porque parte de nossas mentes acredita que o apenado tem de sofrer na prisão.

Esse sentimento é consistente com achados da psicologia que mostram que as pessoas estão dispostas a incorrer em custos pessoais para punir comportamentos que consideram desleais. Alguns modelos matemáticos sugerem até que isso é necessário para tornar as sociedades estáveis.

Se é ou não, eu não sei, mas é certo que estamos aqui diante de um divórcio entre as necessidades racionais da pena (impedir que o criminoso repita o delito e dissuadir outros de imitá-lo) e o que exigem nossas intuições de justiça. O problema é que, para satisfazer nossos sentimentos, precisamos admitir que lidamos com uma natureza humana ligeiramente sádica.


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