Folha de S. Paulo


A vida que queremos viver

SÃO PAULO - Muita gente discordou da coluna em que, comentando a obrigatoriedade de airbags e do cinto de segurança, afirmei que não cabe ao Estado impedir que cidadãos façam mal a si mesmos. Para parte dos que me escreveram, o poder público tem, sim, legitimidade para inibir condutas que imponham custos adicionais à sociedade. Um sujeito que, sem o cinto, sofra lesões mais graves num acidente vai onerar mais o sistema de saúde.

O raciocínio é tentador, mas não o compro. O problema com esse argumento é que ele é poderoso demais. Praticamente todas as nossas escolhas têm impactos sobre os que nos cercam. Se como demais, fico obeso e tenho mais probabilidade de desenvolver doenças que onerarão os copartícipes de meu plano de saúde e o Estado, que, na eventualidade de morte precoce, terá de arcar com mais anos de pensão para a viúva.

E as coisas podem ficar sutis. Estatísticas mostram que mulheres nulíparas apresentam risco aumentado para câncer de mama. Se aceitamos a tese do custo extra, por que parar no cinto? Por que não obrigar todos a manter um peso saudável e exigir que todas as mulheres engravidem?

Não creio que seja possível nem desejável chegar a tais minúcias de controle sobre a vida das pessoas. Cada um de nós precisa ficar doente de vez em quando e morrer de alguma coisa. Analisando as coisas "a posteriori", sempre poderemos correlacionar moléstias e óbitos a alguma escolha ou hábito do cadáver.

Penso que é mais lógico tratar o SUS e o INSS como um seguro clássico, no qual o cliente tem direito a indenização independentemente de ter culpa pelo sinistro. Até dá para introduzir certas cláusulas especiais, como um imposto diferenciado para produtos nocivos (cigarro, álcool etc.), mas sem proibições absolutas. É uma regra meio socialista, mas acho que é assim que deve ser, ou abrimos flanco para que o Estado defina a vida que devemos viver.


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