Folha de S. Paulo


Paternalismo libertário

SÃO PAULO - No final, a obrigatoriedade de as montadoras instalarem airbags e freios ABS em todos os veículos novos foi mantida. Fico feliz, mas não resisto a levantar uma interessante e até certo ponto incômoda discussão filosófica.

Até que ponto o Estado pode interferir em transações voluntárias entre vendedores e compradores? No caso dos freios, é decerto legítimo tornar o sistema ABS um item de fábrica. Um veículo que não consegue parar, afinal, representa ameaça não só para o motorista e seus passageiros como também para terceiros. Mas será que esse raciocínio vale para o airbag?

Não me parece absurdo que alguém dispense esse item em troca de preço menor no automóvel. Vale observar que o poder público admite que motociclistas circulem sem esse tipo de proteção. Além disso, atividades bem mais perigosas, como alpinismo de altitude e mergulho em cavernas, são perfeitamente legais.

A discussão é análoga à da obrigatoriedade do cinto de segurança. Cabe ao Estado impedir que um cidadão faça mal a si mesmo? Meus instintos libertários dizem que não, mas meu pendor consequencialista sugere que sim. Trata-se, afinal, de interferência pequena que salva vidas.

Há um meio de conciliar essas duas intuições, recorrendo ao "paternalismo libertário" proposto por Richard Thaler e Cass Sunstein. A ideia aqui é reconhecer que seres humanos frequentemente fazem escolhas erradas e, através de desenhos institucionais, tentar empurrá-los para as certas, mas sem autoritarismo.

No caso do airbag e do cinto, em vez de coagir, bastaria exigir do interessado que assine meia dúzia de formulários isentando fabricantes e o Estado de qualquer responsabilidade por sua escolha. Como o viés de inércia é forte, o mais provável é que um número reduzido de libertários obstinados se desse ao trabalho. As virtudes públicas da obrigatoriedade são conservadas, e a liberdade individual, preservada.


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