Folha de S. Paulo


Black Rock: cidade em chamas

Querida vozinha, explicar para a senhora ou para qualquer pessoa o que é o "Burning Man" (de onde te escrevo neste momento) é uma tarefa impossível, mas, como prometido, vou tentar.

Imagine o lugar mais seco do planeta, no meio do deserto, em Nevada, nos Estados Unidos. Esse é o cenário de uma cidade temporária, de alma hippie, chamada Black Rock. Ela é construída anualmente para receber, em uma semana, 70 mil cidadãos conhecidos como "burners".

Eles vêm de diversos países, se organizam em acampamentos e têm o compromisso de gerar o mínimo descarte possível. Trazem tudo o que irão consumir e dormem em trailers de luxo ou barracas improvisadas, em uma experiência urbana absolutamente diferente. Alguns repetem o ritual há quase 20 anos.

A cidade se forma em círculos ao redor de uma escultura gigante: O homem. Os "burners" se deslocam em bicicletas decoradas com chifres, pelúcia e animais, e as tempestades de areia criam uma fumaça onírica, que deixa tudo em tom sépia.

Entre obras de arte interativas e festas intermináveis de música eletrônica, transitam carros alegóricos, navios, cupcakes, dentaduras e pirâmides de faraós.

Os cidadãos de Black Rock, quando usam alguma roupa, se vestem de um jeito diferente, no estilo o pequeno príncipe, robô, circo ou fábulas. Usam muito brilho, peles, óculos e tecidos que os protegem das tempestades. Uma camada de areia une a multidão, como personagens saídos do filme Mad Max.

No cair da noite, o sonho fica ainda mais surreal. Fogo e luzes de LED coloridos se acendem no corpo das pessoas, nas casas e bicicletas.

E acredite, aqui é proibido usar dinheiro, a única moeda de valor é a generosidade. Meu vizinho, por exemplo, distribui toda manhã parte das 3 toneladas de frutas orgânicas que trouxe da fazenda no Texas.

Mas vozinha, muito além da experiência sensorial e estética, o mais interessante é que as pessoas convivem em paz com as diferenças do outro. Ainda que Black Rock celebre o escapismo, ela nos ensina a queimar os nossos preconceitos e, não importa a sua religião ou preferência sexual, o que se preza é a liberdade e o respeito ao próximo.


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