Folha de S. Paulo


Recife faz história

O movimento #ocupeestelita, em Recife, escancara o que acontece pelo Brasil: a privatização de terras públicas sem a consulta popular, com óbvio favorecimento às empreiteiras (grandes financiadoras das campanhas políticas no país).

Nossas cidades têm sido desenhadas por essas empresas, baseadas prioritariamente na lógica do lucro, com projetos urbanísticos pobres e segregadores e arquitetura desprezível.

A capital pernambucana é importante polo cultural -exporta a melhor qualidade de música, cinema, artes visuais e design gráfico. Não à toa a bomba explodiu por lá.

O Cais José Estelita é uma das áreas mais emblemáticas de Recife e situa-se numa região estratégica e de preservação ambiental.

Esse cais não é terreno velho, é patrimônio histórico e memória afetiva da cidade. Em 2008, a União decidiu leiloar seus 100 mil metros quadrados (o equivalente a dez campos de futebol).

Um grupo de construtoras formou o Consórcio Novo Recife e o comprou a preço de banana (um valor dez vezes abaixo da média do metro quadrado no município). Surgiu assim o projeto para um megaempreendimento com design megamedíocre chamado "Novo Recife".

O discernimento intelectual de um grupo estimulou a ocupação da área. Acampados, organizados e usando como armas sua própria arte, eles inspiraram todo o país. Com as recentes agressões da polícia aos manifestantes, o movimento tornou-se símbolo de resistência.

O "ocupe Estelita" contesta, por exemplo, a legalidade do leilão da área, denuncia a ausência de estudos de impacto ambiental e reivindica o debate público.

O projeto Novo Recife exibe a falta de protagonismo do poder público, que não apontou diretrizes de como deveria ser uma intervenção dessa proporção, com cuidados para não deletar parte fundamental da identidade da cidade.

Realizar um concurso público de arquitetura e urbanismo para esse projeto seria o mínimo esperado.

É preciso fazer políticas urbanas de modo aberto e participativo, não excludente, e aproveitar as novas tecnologias digitais como ferramentas deste processo.


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