Eu voltava para casa, vindo do meu estúdio, como faço diariamente, e, mais uma vez, senti pena do paulistano preso no trânsito. Final do Carnaval, volta às aulas, chuvas, estímulos do governo para mais carros nas ruas, transporte público insuficiente e de baixa qualidade. O resultado é o puro caos, uma cidade irritada, refém do deslocamento e infeliz.
E as perspectivas não são boas. Li em uma reportagem que a cada hora 92 novos carros chegam às ruas da capital. São 2.000 veículos emplacados por dia, e mais de 800 mil por ano.
Eu voltava para casa, mas não estava irritado. Eu vinha de bicicleta, como faço há exatos três anos. Foi pedalando que passei a enxergar São Paulo de uma nova maneira. Eu fiz as pazes com a cidade. Descobri no meu trajeto que, apesar do seu tamanho, São Paulo abriga outras escalas e pode se parecer até com uma cidade de interior, no que se refere às nossas relações com a rua. Tudo depende de como experimentamos essa metrópole.
Nesses três anos de bicicleta, ocupei-me da paisagem, da arquitetura e das pessoas. Quando pedalo, olho no olho de quem cruza meu caminho, presencio de maneira mais ativa os problemas do meu bairro e, assim, sou estimulado a participar de suas soluções.
Pedalar em São Paulo hoje, no entanto, é uma aventura. Faltam ações e leis para organizar ciclistas, veículos e pedestres. Faltam ousadia e coragem do poder público e privado para inovar e assumir de vez a bicicleta como um meio de transporte possível, como ocorre em tantas cidades pelo mundo. Falta ainda iniciativa do paulistano, que parece incapaz de andar três quarteirões a pé.
Daqui a pouco eu vou voltar para casa, certo de que chegarei no mesmo tempo de sempre --20 minutos. Vou cumprimentar o seu João da mecânica, comprar uma revista na banca da dona Maria, namorar os grafites nos muros e, com sorte, avistar a primeira flor do ipê-roxo que está para nascer.
| Guto Requena/Folhapress | ||
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| Ao lado de ciclovia na avenida Paulista, congestionamento |