Folha de S. Paulo


Incômodo

Pedro Ladeira - 30.dez.2016/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 30-12-2016, 12h00: O ministro Henrique Meirelles e o embaixador da França Laurent Bili durante Cerimônia de Assinatura da Adesão do Brasil ao Clube de Paris, no ministério da fazenda. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
O ministro Henrique Meirelles durante cerimônia de assinatura da adesão do Brasil ao Clube de Paris

Em seus anos de presidente do Banco Central, o hoje ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, valia-se de uma surrada analogia entre a política de juros e as torneiras de água quente e fria.

Leva tempo até que o corte das taxas do BC resulte em melhora da economia, pregava Meirelles a petistas ansiosos no primeiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva, assim como a água do banho demora a esquentar, em especial nos hotéis, enquanto abrimos a torneira da esquerda.

Sem a necessária paciência para testar aos poucos a temperatura, corre-se o risco de uma queimadura no chuveiro ou de aquecimento insustentável do consumo, que levará ao aumento dos preços.

Há o tempo da economia e o da política, e os governos tendem a ser bem-sucedidos quanto os dois se harmonizam, seja por sorte, competência ou oportunismo. Dilma Rousseff, em seu primeiro mandato, abriu demais e antes da hora a água quente da queda dos juros.

Em consequência, buscou a reeleição em 2014 negando a óbvia aceleração inflacionária, que a obrigaria a despejar uma ducha gelada sobre o país no início de um segundo mandato que não concluiu.

Só agora, com o avanço dos ajustes conduzidos por Meirelles na Fazenda, o BC retoma a redução de suas taxas, que ainda se mantêm em patamares incompatíveis com o cenário global de juros no chão.

O importante, porém, é que a debilidade da economia e a inflação declinante permitem, em tese, a continuidade do ciclo de queda pelos próximos meses –mais precisa e convenientemente, até o início ou meados do próximo ano.

A se confirmarem tais expectativas, mais a aprovação de qualquer reforma da Previdência capaz de tornar viável o teto finalmente estabelecido para os gastos públicos, a eleição presidencial de 2018 será disputada em circunstâncias muito mais favoráveis que a de quatro anos antes.

Guardadas todas as proporções, o sonho governista remete ao Plano Real de Itamar Franco e FHC, lançado no ano eleitoral de 1994, quando a superação da crise da dívida externa e da hiperinflação deixou em segundo plano os escândalos de corrupção e o descrédito dos políticos.

Nem está no horizonte uma euforia como a da criação da nova moeda, nem o caso dos anões do Orçamento da época se compara ao que se desvenda atualmente na Petrobras. Ainda assim, o cálculo não é desprovido de lógica.

Em tudo funcionando dessa maneira, restará de todo modo um incômodo que independe de preferências partidárias: as transformações econômicas mais importantes desde a restauração da democracia brasileira terão sido promovidas por governos que sucederam processos de impeachment, por presidentes que não foram eleitos para tal.


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