Folha de S. Paulo


O avanço do 'Não!'

Ainda na ressaca eleitoral, uns comemoram e outros lambem as feridas. O PSDB –mais precisamente Geraldo Alckmin– sai como grande vitorioso. Os tucanos cresceram de 686 prefeituras para 791, incluindo a maior cidade do país. Disputam ainda o segundo turno em capitais importantes como Belo Horizonte, Porto Alegre e Belém.

O PT sofreu uma dura derrota: de 630 prefeituras para 256, caindo da terceira para a décima posição entre os partidos. Além disso, nas capitais, ganhou somente em Rio Branco e disputa o segundo turno em Recife. Não se pode, neste caso, alegar surpresa. O PT tem sido alvo nos últimos dois anos de um verdadeiro massacre midiático e judicial, sendo pintado como a encarnação de todo o mal. Paga também por seus erros. Se considerarmos as circunstancias, pode-se dizer que é um sobrevivente. Perdeu, mas não foi "dizimado", como declarou Aecio Neves.

Embora o cenário geral tenha sido de vitória dos partidos da direita, não deixa de ser significativo o crescimento do PSOL, indo ao segundo turno no Rio de Janeiro e em Belém, com chances reais de vencer. Teve ainda candidatos com mais de 20% dos votos em Cuiabá e Florianópolis e elegeu os vereadores mais votados em algumas das capitais.

Dito isso, nenhuma análise das eleições deste domingo pode ignorar o avanço do "Não!". Crescendo silenciosamente nos últimos pleitos, o "Não!" recebeu mais votos que boa parte dos candidatos vitoriosos. Os índices de abstenção, votos nulos e brancos bateram o recorde, com destaque para as três grandes capitais do sudeste.

Em São Paulo, 38,5% do eleitorado não votou em ninguém, totalizando 3.096.304 pessoas, mais do que os votos obtidos por João Doria, o candidato vitorioso. Este foi o maior índice desde 1996. No Rio de Janeiro, foram 42,5% e em Belo Horizonte, 43%. Ou seja, quase metade dos eleitores não compareceu ou votou nulo ou branco.

O crescimento do "Não!" nas eleições tem sido contínuo e escancara a crise de representatividade do sistema político brasileiro. É verdade, conforme apontou o professor Jairo Nicolau, que nem todos estes votos podem ser considerados como "votos de protesto". Mas, observando o ambiente de desgaste da política no Brasil, é inegável que a tendência seja essa.

A rejeição aos políticos e à política remete a um sistema no qual predominam os grandes interesses econômicos, onde a corrupção é regra e a participação popular é exceção. A maior visibilidade das negociatas de sempre e a crescente demanda de participação por setores da juventude urbana corroeram a credibilidade que restava a esse sistema político. Este foi o grito que se apresentou em junho de 2013, ainda que de forma difusa e contraditória.

A questão toda é para que lado vai esta insatisfação. Ela pode ser canalizada por um discurso cínico e perigoso de negação da política, legitimando uma tecnocracia empresarial e alternativas "outsiders" personalistas. Este foi o modelo Berlusconi. É o modelo Donald Trump. E foi agora a alternativa vitoriosa de João Doria. Mas a insatisfação pode seguir também uma outra direção, de construção de novas alternativas contra o sistema político falido.

Talvez o melhor exemplo deste fenômeno seja a Espanha. O movimento dos Indignados, em 2011, abriu a ferida da crise de representatividade: "Não nos representam!", era o grito da multidão nas Portas do Sol, em Madri. Demorou alguns anos, mas esse caldo social pôs fim ao bipartidarismo secular no país, com o surgimento de duas novas forças: o Podemos, à esquerda, e os Ciudadanos, à direita. O "Não!" converteu-se em ator político.

Ainda não é o caso por aqui. De imediato, o resultado das eleições de domingo levam ao fortalecimento do "novo bloco de poder" anunciado por FHC, mesmo com suas fissuras internas. Isso significa um cenário mais favorável para a aplicação das reformas neoliberais na economia e de medidas conservadoras. Ganham as privatizações, ganha a PEC 241, ganha o "Escola Sem Partido". Em São Paulo, as políticas de redução do automóvel conduzidas por Haddad devem sofrer duro retrocesso. A luta por moradia enfrentará uma sanha criminalizadora. No Rio, há uma esperança com Freixo.

Mas, para além destes resultados, as eleições de 2016 devem chamar a atenção para o subterrâneo avanço do "Não!", com seu potencial de mover as placas tectônicas da política brasileira, para um lado ou para o outro.

NA FAVELA A BALA NÃO É DE BORRACHA

Neste sábado, 300 famílias organizadas pelo MTST foram atacadas pela PM do Rio de Janeiro após reocuparem o terreno de onde tinham sido despejadas pelo Governo, no Complexo do Alemão.

O major Leonardo Zuma comandou uma verdadeira operação de guerra, sem ordem judicial, com policiais armados com fuzis, além do já abuso das já conhecidas "armas não letais" e prisões arbitrárias. A PM do Rio mostra mais uma vez que está em guerra permanente. Os inimigos? O povo pobre das favelas.


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