Folha de S. Paulo


Doria, um gestor em causa própria

As eleições municipais em São Paulo têm sido palco da tentativa de promover supostos "outsiders" da política, alçados por uma carreira anterior nos negócios e na mídia. João Doria Junior e, em menor medida, Celso Russomanno buscam explorar a imagem de alguém "de fora", alheio às corrupções e negociatas dos políticos.

O caso de João Doria é emblemático. Vende a fama de gestor empresarial, limpinho e cheiroso, colocando-se como representante do mítico setor privado avesso à corrupção e voltado para o bem comum. Ganhou notoriedade com os eventos do Lide (Grupo de Líderes Empresariais), que reúne os ricaços nacionais e agentes públicos em rega-bofes na badalada Ilha de Comandatuba.

O Lide se apresenta com os nobres objetivos de contribuir para o "desenvolvimento econômico e social" e fortalecer os "princípios éticos de governança", mas já foi acusado de ser na prática uma grande reunião de lobistas em busca de favorecimentos e ávidos por abocanhar o fundo público. Talvez uma injustiça contra este seleto clube do 1%. Mas João Doria, o patrono destes encontros, mostrou saber valer-se das boas amizades para a gestão de seus negócios pessoais.

Em 2015 seu grupo empresarial recebeu R$ 950 mil do governo federal, através da Apex (agência responsável pelo fomento às exportações), dirigida por seu amigo David Barioni. A verba pública foi destinada para "organizar eventos no Brasil e no exterior".

Além disso, conforme revelado no início deste ano, Doria aproveitou uma estada de Barioni em sua luxuosa casa de Campos do Jordão para pedir um favor pessoal, que a Apex bancasse uma exposição de artes de sua esposa, Bia Doria, com custo estimado em R$ 1,7 milhão.

Do governo estadual de Alckmin, padrinho de sua candidatura, Doria obteve R$ 1,5 milhão por anúncios em revistas da Doria Editora. O que chama mais atenção são os R$ 501 mil destinados para a revista "Caviar Lifestyle", cujo nome já aponta para que público está dirigida. A questão é qual o interesse público em investir esta quantia num anúncio de nove páginas na "Caviar Lifestyle"?

A imagem de Doria como promotor dos "princípios éticos" é colocada em xeque ainda por outros casos que vieram à tona. Além de cultivar amizades no paraíso natural de Comandatuba, Doria parece ser afeito a negócios no paraíso fiscal das Ilhas Virgens britânicas. Seu nome apareceu recentemente nos famosos "Panama Papers" pela utilização de uma offshore do escritório Mossack Fonseca para a compra de um apartamento em Miami, sem que a propriedade aparecesse em seu nome.

Doria é conhecido por seu gordo patrimônio imobiliário. Sua casa no Jardim Europa, por exemplo, tem mais de 7.000 m². Mas faz jus à velha máxima de que o rico, quanto mais tem, mais quer. Resolveu expandir sua mansão de Campos do Jordão numa área pública de 400 m². Invadiu área pública. Logo ele, que se apressa em condenar as ocupações de sem-teto na cidade de São Paulo. Só pode invadir se for mansão, candidato?

E como se não bastasse, apesar da Justiça ter determinado reintegração de posse em 2009, há sete anos, o puxadinho-caviar de Doria permanece lá. A tropa de choque de Alckmin, tão "eficiente" em outros casos, parece não conhecer o caminho da mansão de Campos do Jordão.

Todos estes fatos confirmam que João Doria é mesmo um "bom gestor", mas um gestor em causa própria. Ter a capacidade de aumentar seu patrimônio e obter vantagens –por meios bastante questionáveis– não habilita ninguém para a função pública. Ao contrário, inspira desconfiança.

O dono da "Caviar Lifestyle", assim como a maioria de seus parceiros do setor privado, de limpinho e cheiroso parece só ter a fama e o colarinho. Fama sustentada por boas peças de marketing eleitoral. Estado mínimo é só para os investimentos sociais. Quando se trata de financiar seus projetos e interesses com verba pública defendem mesmo é o Estado máximo. De "novo" este tipo de gestão não tem nada.


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