Folha de S. Paulo


A Copa das Tropas

A Copa do Mundo terminou. O discurso apocalíptico adotado pela maior parte da mídia foi substituído por orgulhosas afirmações de sucesso, a ponto de muitos ecoarem o bordão da "Copa das Copas".

Convenhamos, nem um nem outro. Se por um lado houve um evidente alarmismo em relação ao tema das obras inconclusas e da infraestrutura de transporte, por outro, o fato da Copa ter terminado sem esses incidentes não quer dizer que seu legado foi positivo ao país. Nem a apologia do fracasso, com claras finalidades eleitoreiras, nem o ufanismo injustificado.

O maior legado desta Copa para o povo mais pobre das cidades-sede foi e continua sendo o agravamento da especulação imobiliária. Aluguéis mais altos e ampliação da segregação urbana. O urbanista João Sette Whitaker descreveu esse processo excludente dos megaeventos de forma contundente na apresentação do livro "Brasil em Jogo - O que fica da Copa e das Olimpíadas?".

Lá ele mostra o modelo de cidade que está associado à realização das Copas, Olimpíadas, exposições, etc. E no Brasil não foi diferente.

Mas, além da exclusão urbana, esta Copa ficou marcada pelo processo de repressão contra as lutas sociais. A prisão temporária de dezenas de militantes no Rio de Janeiro às vésperas da final da Copa foi um dos atos mais aberrantes de criminalização do direito à manifestação desde a redemocratização do país.

Trinta e sete pessoas foram acusadas por formação de quadrilha armada. Se prender militantes talvez não comova tanta gente, registre-se então que entre os presos estão um advogado, uma jornalista da EBC (Empresa Brasil de Comunicação), um professor universitário e dois professores da rede pública.

A acusação é que pretendiam realizar manifestações de depredação no dia da final da Copa. Como disse um representante da OAB, foi a "prisão Mãe Diná", baseada numa suposta pretensão. E isso justificou a qualificação como formação de quadrilha. Já o conluio milionário do governo Cabral/Pezão com a empreiteira Delta –simbolizado pela patética dança dos guardanapos em Paris– não foi considerado crime de formação de quadrilha pelo Judiciário carioca. Não consta sequer que haja alguém preso ou incriminado.

A manifestação da final da Copa no Rio transcorreu inclusive de forma pacífica até a Polícia Militar resolver atirar suas bombas. O mesmo se deu em São Paulo no dia do jogo de abertura do Mundial, com uma repressão desproporcional.

A Polícia de São Paulo inovou também nesta Copa ao reprimir com bombas e prisões um debate sobre a criminalização das lutas sociais que ocorreu na Praça Roosevelt, no dia 1º de julho. Vejam bem, um debate. Debate ocasionado pela prisão arbitrária do funcionário da USP Fabio Hirano.

Fabio foi preso junto com outros dois manifestantes em 23 de junho numa manifestação em São Paulo que questionava a Copa. Há inúmeras testemunhas de que o suposto flagrante de porte de explosivos foi forjado pela polícia para prendê-lo. Todos os relatos da ausência de ligação de Fabio com qualquer tipo de ação violenta também não foram suficientes para o Judiciário paulista. Fabio permanece preso até o momento.

As prisões arbitrárias, repressão indiscriminada e o Exército nas ruas –enfim, estes sintomas universais de estado de exceção– foram realizados sob o pretexto de impedir manifestações violentas durante a Copa. E agora que a Copa acabou, como fica?

Se depender da política de segurança dos governos estaduais de São Paulo e do Rio de Janeiro, respaldada na "povofobia" do Judiciário, novos pretextos virão. E com o beneplácito do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, distribuidor de tropas da República. Se dependesse dele, inclusive a lei antimanifestação teria sido aprovada. Sorte que, ao menos neste caso, vozes mais sensatas prevaleceram no governo federal.

Uma coisa é certa. O balanço da "Copa das Tropas" é o perigo para o direito democrático de livre manifestação no Brasil.


Endereço da página: