Folha de S. Paulo


Corrupção do PT serve como álibi para cancelamento de políticas sociais

Escrevo este artigo no sábado. Antes, portanto, do domingo, que promete ser um verdadeiro show de horror na televisão e nas ruas. Temendo a violência, o governo do Distrito Federal construiu um muro na Esplanada dos Ministérios para separar os manifestantes favoráveis e contrários ao impeachment. Movido pelo ódio, o Brasil se tornou um país rachado.

O muro de Brasília é um símbolo bastante triste do estado em que chegamos. Bem depois da queda do muro de Berlim, o país da mestiçagem e do carnaval encena uma guerra civil. Assim, o amplo espaço aberto do Eixo Monumental, feito para abrigar democraticamente as manifestações cívicas da população, se vê de repente dividido e obstruído. E o edifício do Congresso Nacional, uma balança em equilíbrio contra o fundo infinito do horizonte, tem o seu sentido anulado.

A imagem é muito pior do que as fotos de tanques com seus canhões em riste em frente ao Congresso, em 1964. Ali, Brasília era conspurcada temporariamente por um poder repressor alheio a ela. Aqui, é a própria essência daquele projeto de modernização democrática que parece chegar ao fim.

Recentemente, lemos estarrecidos as declarações do secretário estadual da Educação de São Paulo, José Renato Nalini, atacando o "Estado-babá" que atende reivindicações sociais de uma população acomodada. Pois, excetuando-se a segurança e a Justiça, em sua opinião, "tudo o mais deveria ser providenciado pelos particulares", inclusive a educação. E conclui propondo uma regeneração social pelo resgate dos valores esgarçados, no reforço da família e da Igreja.

Ora, é exatamente esse tipo de visão que execra as políticas sociais realizadas nos anos Lula e Dilma, tais como o Bolsa Família, o ProUni e o Mais Médicos, considerando-as uma concessão aos pobres desnecessária e onerosa, que precisa ser urgentemente erradicada.

Não se pode minimizar as razões para a existência de um amplo descontentamento com a corrupção do governo e com o fraco desempenho da economia. Nem se deve diminuir a importância histórica de uma investigação como a Lava Jato.

Mas também não podemos desprezar o fato de que foram os governos do PT que criaram condições para a investigação e condenação de atos do próprio governo. E acontece que as acintosas manobras jurídicas e midiáticas em favor do impeachment, passando por cima da Constituição, quebram perigosamente o pacto democrático firmado no país.

Qual é a legitimidade de um processo conduzido por deputados sob investigação, e presidido por aquele que é reconhecidamente o maior dos corruptos? A imagem de corrupção obsessivamente fixada no PT, isentando os outros políticos e partidos, serve claramente como um álibi para o cancelamento das suas políticas sociais que, mal ou bem, tiraram milhões de pessoas da miséria.

Bem sabemos que sob um governo Temer as chances das investigações da Lava Jato desaparecerem da imprensa em favor de uma farsesca pax republicana pela estabilização econômica são gigantes. Ocorre que o governo Dilma não será removido do Planalto sem um expressivo enfrentamento social em todo o país. Assim, na ausência de qualquer projeto razoável de futuro para o Brasil hoje, é forçoso admitir que o muro de Brasília é sobretudo um fosso, um buraco negro.


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