Folha de S. Paulo


Se essa bolha fosse minha

Catarina Bessel/Folhapress
Ilustra coluna Gregório 25.set

A frase que mais ouvi nos últimos anos depois de "crédito ou débito" foi "o problema é que a gente só fala com quem tá dentro da bolha", geralmente dita pra quem tá dentro da bolha, por quem tá dentro da bolha. Fala-se muito da tal bolha: essa redoma de segurança que a internet cria, e graças a algoritmos complicados eis que de repente "boom", todas as pessoas pensam igual a você, e você fica feliz e querido e recompensado, porque você acha que o mundo inteiro te ama e pensa igual a você, mas na verdade não é o mundo, é só a famosa bolha.

Se você nunca sentiu isso, fica tranquilo que eu também não. Tô só repetindo o que me explicaram. Talvez lá fora, no hemisfério norte, Zuckerberg tenha caprichado mais no algoritmo. Por aqui não tá dando muito certo.

Se por caso existe uma bolha, a minha veio bichada. Tá cheia de bolsominion, de criança com saudade da ditadura usando camiseta "Ustra Vive", tá cheio de propaganda do fundo de investimento Empiricus: "você também tem medo do Lula?" e uma foto do Lula bem vermelho como se fosse o Stálin. Tem algo errado com a minha bolha.

Pra falar a verdade, meu sonho era que houvesse, de fato, uma bolha. Sem bolsominions. Nem propaganda de fundo de investimento. Nem tanta coisa.

Na minha bolha seria banido o beijo no coração, e o coração com as mãos, mesmo ironicamente, e toda sobremesa seria de chocolate, pra acabar com essa palhaçada de abacaxi com raspa de limão, e todos se locomoveriam de bicicleta e saberiam fazer pão de fermentação natural e shiatsu, e fariam ambos assim que solicitados. Toda cerveja seria artesanal e toda maconha seria verde, e o porte seria não somente permitido como obrigatório, como uma espécie de documento. Documentos, em compensação, seriam banidos -assim como o piso de porcelanato, a luz branca e a tomada de três pinos. A tomada teria dois pinos, redondos, e não se falaria mais nisso. Todos torceriam pro Fluminense. Os outros times existiriam, claro, mas só pra perder, por pouquinho, e sempre de surpresa. "Que milagre! Achei que era hoje que o Fluminense perdia, mas não. Ufa". "Ufa", eu diria. "Essa cerveja é artesanal?" "Claro! Vai um fino?" "Nossa, se o governo descobre que eu tô andando sem beque...". "Passa lá em casa que tô fazendo um pão". "Sourdough?". "Ób-vio".

(Há quem diga que essa bolha existe, e fica em Laranjeiras -Zona Sul do Rio.)


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