Folha de S. Paulo


A melhor coisa do avião é o que ele (ainda) não tem

Catarina Bessel/Folhapress

Nunca tive medo de avião, mas o contrário disso. Acho o avião a coisa mais mágica e mais divertida que já foi inventada. Fico mais tranquilo a 11 mil metros de altitude do que pisando em terra firme. Tenho vontade de cutucar as pessoas do meu lado: "Você tem noção do milagre que é a gente estar voando?".

São mil opções de entretenimento, que vão desde a leitura das instruções de sobrevivência até a privada que parece que vai te engolir (quando pequeno imaginava meu cocô caindo lá do alto e tomava o cuidado de evacuar em áreas inabitadas), passando pelos mil filmes e séries e pela comida quentinha e pela bebida liberada e pelas nuvens vistas de cima. Mas só percebi, quando anunciaram que o voo teria wi-fi, que a maior vantagem de todas não é o que avião tem, mas o que ele não tem (ou tinha): internet.

O avião, assim como algumas praias paradisíacas e a Coreia do Norte, não tem internet, e isso, perceba, é uma delícia. O mundo pode acabar e você não vai ficar sabendo. A leitura flui como em nenhum outro lugar. O sono também. Assisto a filmes e quase sempre me emociono (o fato de servirem vinho em voos internacionais contribui, é claro).

O único suplício do voo pra mim é a curta duração: sempre dura menos do que deveria e acabo não lendo ou dormindo tudo o que eu queria. OK, é verdade que nunca fui pra Ásia. Mas sempre que pego a ponte aérea queria que durasse mais um pouquinho: o pouso me pega toda vez de surpresa, como um pai que vai buscar o filho no pula-pula. "Mas já, papai?".

Sim, eu sei que essa paz tá com dias contados. Vários voos já tem wi-fi e muito em breve um avião sem internet vai ser tão inimaginável quanto um avião com área de fumantes. Sim, crianças, podia-se fumar no avião. Não, isso não deixou saudades.

Ah, dirá o leitor, mas você pode colocar o celular em modo avião. Sim, mas você sabe, leitor cínico, que existem poucas coisas tão irresistíveis quanto internet, e sabe que, se houver wi-fi, eu vou me conectar, e você também, e de repente aquilo vai virar um inferno de celulares apitando, tremendo e assobiando, e uma saraivada de áudios do WhatsApp vai se unir a uma tempestade de stories do Instagram.

Enquanto isso não acontece, da próxima vez que entrar num avião, aproveite pra lembrar: o mundo já foi assim, quietinho. Que delícia.


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