Folha de S. Paulo


A Palestina é aqui –e ninguém se importa

Nasci no Rio e morei a minha vida inteira por aqui. Sou, como dizia o Millôr, "carioca de algema" –mais precisamente da rua Rumania, coração de Laranjeiras, centro não oficial do mundo.

Já desisti de defender minha cidade. Décadas de desgoverno transformaram a cidade num frankenstein de concreto e vidro marrom espelhado. Tirem as montanhas e o mar, não sobra quase nada que presta além de pessoas muito simpáticas que marcam, mas não aparecem. Parodiando Elizabeth Bishop, "o Rio de Janeiro não é uma cidade maravilhosa, é uma cidade de merda num lugar maravilhoso".

O Haiti não é mais aqui: ao contrário do Rio, o país do Caribe está passando por um processo civilizatório. O que nos resta é um protetorado ultrarreligioso governado ora por traficantes, ora por milicianos e que acaba de passar pras mãos de um pastor evangélico que consegue a proeza de agradar a traficantes e milicianos –nossos gregos e troianos.

Catarina Bessel/Editoria de Arte/Folhapress
Ilustração de Catarina Bessel para a coluna de Gregorio Duvivier - Ilustrada de 13/3/2017

No início do ano fui a Israel e à Palestina a convite da Universidade Hebraica de Jerusalém. Achei que fosse encontrar ódio dos dois lados. E de fato encontrei. O argumento de Netanyahu é o mesmo do Hamas: "Só a violência pode parar a violência". Por incrível que pareça, extremistas judeus e palestinos estão alinhadíssimos: ambos querem a continuação da guerra. Vale lembrar que foi um terrorista judeu que matou Yitzhak Rabin. Fundamentalistas israelenses e palestinos têm muita coisa em comum, entre elas um inimigo: o pacifista.

No Brasil, alguns acham que ser pró-Palestina significa ser anti-Israel e por isso defendem o boicote a tudo o que for israelense –inclusive aos árabes israelenses, aos negros israelenses, aos drusos. Mal sabem eles –ou sabem e ignoram– que raros são os palestinos que defendem o boicote. E mais raros ainda são os que defendem o Hamas. O boicote e o fim do diálogo só interessam aos fundamentalistas de ambos os lados.

Fui esperando encontrar um país em guerra. Mas nem Israel nem a Palestina são menos seguros que o Brasil. Nossa polícia mata mais que a israelense. O narcotráfico mata mais que o Hamas. Nossa guerra mata numa lógica ainda mais perversa: as vítimas de ambos os lados –bandidos e policiais– são todos pobres. Por isso, talvez, ninguém nem se preocupe em dizer de que lado está. Afinal, quem morre são os outros. E de quem é a culpa? Do pessoal dos direitos humanos, respondem os terroristas de todos os lados.


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