Folha de S. Paulo


Depois de muito relutar, finalmente entrei pro Tinder

Estava há muito tempo relutante, mas finalmente cedi. Entrei pro Tinder. Não foi fácil encontrar alguém legal, alguém de jogar pra direita com convicção.

Qualquer menina com camisa da seleção (tem muitas) eu achava que ia sair comigo só pra me espancar com um Pixuleko. "Toda paranoia não passa de vaidade", disse a minha analista, "porque você precisa se dar muita importância pra achar que as pessoas perdem tempo querendo te matar." Minha analista nunca leu os comentários da Folha.

Finalmente encontrei uma menina que parecia de esquerda e fiz mais ou menos como Michel Temer fez com o país: joguei forte pra direita. Uma tarja diagonal atravessava seu rosto: Não Vai Ter Golpe. Paixão ao primeiro frame.

Catarina Bessell
Ilustração da Coluna --- Gregório Duvivier 19/09/2016

Marcamos no Bar da Cachaça. O primeiro encontro foi sensacional, um típico encontro do pessoal de humanas: falamos do golpe, do golpe, do golpe, de astrologia e do golpe. Viemos pra casa e achei meio estranha a obsessão dela com a luta armada. "Quando é que a gente vai organizar a ditadura do proletariado?"

Não ouvia a palavra proletariado desde que... Calma aí. Acho que nunca tinha ouvido a palavra proletariado. Transamos e ela gritava: "Quem é sua empoderada? Quem é?" Estranho. Mas quem sou eu pra julgar?

No segundo encontro, apresentei meus amigos e ela logo perguntou quem era o líder. "Líder do que?" E ela: "Da revolução". Rimos achando que era piada. No final, pedimos a conta e ela reclamou. "Não é o PT que vai pagar?" Todos riram.

Ela não achou graça. "A gente defende tanto o PT que ele podia retribuir pagando a conta com os milhões que ele desviou do dinheiro público." Todos perplexos.

Naquela noite, me pediu, na cama, que eu falasse no ouvido dela onde foi que o Lula escondeu o dinheiro. "Não sei do que você tá falando."

Só percebi o que estava acontecendo no dia seguinte, quando acordei mais cedo e ela estava no computador fazendo um Powerpoint. Nunca ninguém de esquerda fez um Powerpoint. Consegui ler meu nome no centro e ao redor várias setas que apontavam pra ele. "Maconheiro. Cachaceiro. Acha que é golpe." Percebi uma saliência na sua nuca. Puxei com força e saiu uma máscara de látex, como nos filmes 'Missão Impossível'. Eis que se vira, constrangido, um sujeito gordo e de bigodes. Capitão Pinto. Me enganou direitinho.

Por isso peço atenção, juventude socialista! Não divulgue nossos projetos de tomada de poder para quem acabou de conhecer no Tinder. É o futuro da revolução que está em jogo.


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