Folha de S. Paulo


Calvofobia

Não foram as crianças de Sebastião Salgado. Tampouco foi o rosto de David Luiz após o 7 a 1 da Alemanha. A imagem mais triste com a qual já me deparei na vida estava no espelho: no meio do cabelo tinha um buraco, tinha um buraco no meio do cabelo. Ali, ao norte da testa, onde haveria um chifre em espiral caso eu fosse um unicórnio, nascia um lago róseo de pele. Preferia mil vezes um chifre em espiral.

Alguns sinais de velhice denotam sabedoria. Você pode dizer, cheio de orgulho: "respeite os meus cabelos brancos". Ou até: "respeite as minhas rugas". O mesmo não vale para a calvície. Você não pode dizer: "respeite a minha careca". Assim como a incontinência urinária e a disfunção erétil, a calvície faz parte do rol dos malfeitos da idade que não impõem respeito nenhum. Não adianta pedir: "Respeite minhas varizes" nem "respeite o meu hábito de dormir de boca aberta". Spoiler: não vão respeitar.

No início, fiz o que todos fazem –varri pra debaixo do tapete. Ou melhor: estiquei o tapete por cima do buraco. Deixando crescer a franja, podia penteá-la para trás de forma a tapar (ou, ao menos, tapear) a clareira frontal. Deu certo por um tempo. Mas a clareira foi aumentando, e a franja rareando. O estopim foi quando ouvi de um cabelereiro que tinha um "topete piscina –tá cheio, mas dá pra ver o fundo". Era melhor desistir: estava tapando o sol com a penugem.

Poderia assumir a careca, não fosse acometido por um mal comum: a calvofobia. Embora não haja nenhuma ligação cientificamente comprovada entre cabelo e caráter, costumamos associar a falta das duas coisas. A culpa é da ficção. Voldemort, Lex Luthor, Doctor Evil e Walter White não me deixam mentir. "Carecas são pessoas que não tem nada a perder", diz a Clarice, calvofóbica.

A solução foi aplicar uma solução: minoxidil. Não solucionou. Parecia que o único jeito era tomar a boa e velha Finasterida —nem tão velha e nem tão boa. "Pode ser que diminua sua libido", disse a médica.

Triste é o momento da vida do homem em que ele tem de escolher se quer ser um cabeludo broxa ou um careca viril. Entre a cruz e a careca, escolhi privilegiar a extremidade que está mais à mostra. E se alguém rir da minha nova disfunção, bradarei em alto e bom som: "respeite o meu pau mole". Hão de respeitar.


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