Folha de S. Paulo


Serhumanidade

Toda semana um colunista da "Veja" escreve sobre mim. O truque é baixo: colocam Porta dos Fundos no título para atrair cliques, põem meu texto na íntegra para quem quiser lê-lo sem que nem eu nem a Folha ganhemos nada com isso e enchem de menções à "ameaça comunista que o Brasil está sofrendo desde que se tornou uma Venezuela graças à ocupação petralha". Clique, clique, clique.

Pra começar, caviar não me representa –nunca vi, nem comi, eu só ouço falar. Esquerda caviar é uma ova –literalmente. Entendo a metáfora, mas acho que não se aplica a essa nova esquerda hipster que vocês tanto odeiam. Melhor seria Esquerda Maionese Trufada. Esquerda Cerveja Artesanal. Esquerda Bicicleta de Bambu. Aí sim: esse cara sou eu. Ou, para ser sincero, nem aí.

Às 6h da manhã, precisamente, tendo à extrema direita. Não me interessam os problemas do mundo, já tenho problemas demais –só me interessa conseguir um café quente. Às 9h da manhã, leio o jornal e descambo para o maoismo: só mesmo a luta armada pode mudar tudo. Até que fumo um baseado e recaio para a direita libertária. "Cada um é cada um e o Estado não tem nada a ver com isso."

No primeiro gole de cachaça, abraço moradores de rua e pergunto: "Cadê esse Estado que não te dá casa comida e roupa lavada?". Só usei cocaína uma vez e, depois, nunca mais: quando vi, estava fazendo discursos a favor da família e da propriedade. O lança-perfume, ao contrário, me proporcionou 15 segundos do mais puro socialismo utópico, ao contrário do ecstasy, que me presenteou com 15 horas de anarquismo egoísta.

O anarquismo coletivista só conheci através do ácido lisérgico, num carnaval da praça 15, enquanto o ayahuasca me apresentou para o anarcoprimitivismo –aquela vontade de morar no mato. Como vocês podem ver, não mereço que vocês percam seu tempo criticando a minha posição política: ela muda de acordo com o psicotrópico.

No entanto, independentemente da droga ou da ideologia consumida (e da certeza de que toda ideologia é uma droga), me espanta quando classificam de esquerdistas pautas tão universais quanto a equidade de gêneros e raças, o direito da mulher ao aborto, o direito universal à moradia, à saúde ou à educação. Ser contra a garantia desses direitos universais não é posição política, é falta de serhumanidade.


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