Folha de S. Paulo


Desculpa, São Paulo

Na última coluna, falei mal do Rio e bem de São Paulo. Ofendi profundamente muitos paulistanos. Recebi uma enxurrada de e-mails: "Você fala assim porque não mora aqui. É fácil falar bem, quero ver se mudar pra cá." Não se elogia São Paulo impunemente. Elogiar a cidade é trair o espírito paulistano. Parece que existe um acordo telepático: "Pessoal, vamos combinar que a gente odeia isso aqui? Ótimo".

Desculpa, São Paulo. Quando te elogiei, não quis te ofender. A intenção era falar mal, não sei o que deu em mim, acabei falando bem. Sim, sei que você tem problemas. Mas acho que estou meio gostando de você. Desculpa. Calma. Não bate em mim.

Em minha defesa: sou carioca. O ufanismo é uma tradição local, assim como o biscoito Globo, o mate de galão e aquele atraso de meia horinha. A cidade que inventou o aplauso ao pôr do sol popularizou o autoaplauso —também conhecido como beijinho no ombro. O cancioneiro popular carioca é uma sucessão de autorreverências: sou foda, o Rio de Janeiro continua lindo, meu Exército é pesado a gente tem poder, cidade maravilhosa, na cama te esculacho, coração do meu Brasil. Os hinos paulistanos são muito mais modestos: a deselegância discreta de suas meninas, São, São Paulo, quanta dor, não existe amor em SP, o largo dos Aflitos não era largo o bastante pra caber minha aflição.

São Paulo inventou o um-beijinho-só, essa coisa de gênio. O beijinho do cumprimento é uma formalidade que não envolve nem prazer nem afeto real. Outro acordo telepático: "Vamos combinar que é um beijinho só? Ótimo".

São Paulo tem medidor de poluição nos relógios. Não vejo nenhuma justificativa pra isso a não ser o prazer no autoflagelo. O que vai mudar pra sua vida agora que você sabe que o ar está péssimo? Nada. Você não vai comprar uma máscara de oxigênio. Não vai plantar uma árvore. Mas agora você pode reclamar que o ar está péssimo. Ótimo.

O excesso de amor-próprio do carioca gerou uma cidade insuportável —cega para os seus problemas. O hábito da autopichação acabou deixando o paulistano com sérios problemas de autoestima —deixa um carioca deslumbrado te amar, São Paulo.


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