Folha de S. Paulo


Baixinho

Quando era pequeno, não imaginava que continuaria pequeno o resto da vida. "Come bastante pra crescer e ficar bem alto", diziam. Comia com a voracidade de quem quer ter um metro e noventa. Perguntava: "Já estou crescendo?". Ainda não estava.

Era o mais baixo dos meus amigos, mas estava comendo tanto que um dia ultrapassaria todos. Minha mãe, talvez percebendo que a única coisa que esse mito estava gerando era obesidade,
confessou: "Gregório, não importa o que aconteça, você nunca vai passar de um metro e setenta".

Não importa o que aconteça. Eu estava amaldiçoado. Carregava nas costas o peso do futuro. Chorei por horas, talvez dias, embora possam ter sido só alguns minutos. Queria ser goleiro da Holanda ou detetive da Scotland Yard, profissões de gente alta.

"Talvez eu tenha que me contentar com a ginástica olímpica." E chorei mais um pouquinho.

Quando via um baixinho, batia uma tristeza profunda de lembrar do futuro. Era como aquelas propagandas que diziam: não percam, domingo, no 'Faustão'... Não! O domingo vai chegar! E o "Faustão" também! A vida é melhor sem saber disso.

Até que cresci -não muito, mas cresci. Estacionei no 1,69 m, com sensação térmica de 1,70 m -o cabelo despenteado ajuda a chegar lá e até hoje checo se a maturidade não me rendeu algum centímetro a mais.

Os amigos desfavorecidos verticalmente me ajudam a superar. Antonio Prata tem, na ponta da língua, uma lista de baixinhos ilustres, que vão de Millôr Fernandes a Bono Vox, passando por Woody Allen, Al Pacino e, claro, Romário, antena da raça baixinha.

Isso conforta. Os baixinhos engrandecem a causa. A não ser pelo Bono Vox, que envergonha a classe e usa salto embutido. Tudo tem limites. Às vezes gosto de alguém sem saber por que, e depois percebo: é
baixinho. Quando vejo um de nós, aceno com a cabeça como quem diz: estamos juntos.

Odiamos shows em pé. Ainda comemos como quem um dia quis crescer. Nunca vamos ser goleiros ou detetives da Scotland Yard. Mas nos resta a simplicidade de quem olha o mundo de baixo pra cima, além do conforto em cadeiras da classe econômica -e da propensão para a ginástica olímpica.


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