Folha de S. Paulo


A caravana passa

A primeira peça que eu fiz foi uma peça de improvisação, numa época em que não se fazia peças de improvisação no Brasil. A peça se chamava Zé - Zenas Emprovisadas (até hoje não sei bem porque).

Éramos 4 estreantes, com os piores cortes de cabelo que você já viu: Fernando Caruso, Marcelo Adnet, Rafael Queiroga e eu. Nenhum teatro queria nos receber. Talvez fosse o corte de cabelo. Alegavam que só podiam aceitar uma peça mediante a apresentação do texto. "Mas a nossa peça não tem texto." Então não é uma peça, diziam. Vão fazer em outro lugar, não no teatro. Obedecemos.

Estreamos numa sala de dança de 50 lugares graças à benevolência de uma amiga bailarina. Logo não cabíamos mais lá. Passamos para um teatro de 150 lugares, depois fomos para um de 500 e de repente estávamos num teatro de 1200 lugares, fazendo três sessões lotadas. Foram dez anos em cartaz.

Era um sucesso e, apesar disso - ou por isso mesmo - nossos detratores eram cada vez mais numerosos. O pessoal do teatro contemporâneo achava que a gente fazia teatro comercial demais (o que era verdade). O pessoal do teatro comercial achava que o nosso ingresso era barato demais (o que era verdade) e subentendia que só fazíamos sucesso por isso (talvez fosse verdade). E os dois pessoais achavam que improvisação era stand up comedy (isso não é verdade). Dez anos depois, ainda acham - é impressionante como as pessoas ainda não sabem usar o Wikipedia.

A profissão do crítico é fundamental: alguém precisa separar o joio do trigo. O problema é quando o crítico acha que tudo o que faz sucesso é joio - seja lá o que joio for. Chico Buarque é uma fraude. Caetano Veloso é uma besta. Tom Jobim é um porre. Não. Não é não. Tom Jobim é foda. Chico Buarque é foda. Caetano Veloso é foda.

O Porta dos Fundos (que eu, humildemente, acho foda) todo dia ganha um novo detrator - sempre odioso. A esquerda acha que a gente se vendeu. A direita acha que a gente é petista. Os petistas acham que a gente é tucano. Os tucanos acham que a gente é stalinista. Os stalinistas acham que a gente é da Globo. A Globo acha que a gente é a Record. A Record acha que a gente é o demônio. O demônio nunca se manifestou. Mas deve achar que a gente é católico.

Nessas horas, é bom lembrar do provérbio árabe: "Os cães ladram, a caravana passa". Ou, se preferirem, da Valesca Popozuda: "desejo a todas inimigas vida longa".


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