Folha de S. Paulo


Piada

Um português, um francês e um americano estavam no deserto quando perceberam que estavam dentro de uma piada. Foi o português quem primeiro perguntou: o que é que nós estamos fazendo aqui, ó, pá? Ao que o francês respondeu, com leve sotaque: se você está falando "ó, pá" isso só pode ser uma piada, porque nenhum português de verdade fala assim.

Ao que o americano respondeu: e se nós que nem portugueses somos estamos falando português, e ainda por cima com esse sotaque tão malfeito, é porque isso só pode ser uma piada.

Já estou morrendo de sede, disse o francês, precisamos sair daqui o quanto antes. Ao que o português, que não era burro e tinha ido parar ali na piada por engano, respondeu: talvez algo de engraçado precise acontecer, talvez a gente precise encontrar a graça da piada pra conseguir sair daqui. Talvez se encontrássemos uma lâmpada, disse o americano, piadas de deserto costumam envolver gênios, lâmpadas, três pedidos, e no terceiro pedido, puf: a graça.

Os três cavaram por horas, sem qualquer vestígio de graça ou lâmpada. O francês teve uma ideia: nós só vamos sair daqui quando o português disser ou fizer uma estupidez. Ao que o português disse que era contra a perpetuação desse tipo de preconceito. Os outros dois pediram que ele batalhasse por essa causa depois que já tivessem saído da piada. E o português desandou a gritar estupidezes, a contragosto. Não teve graça. Partiu para o humor físico. Tropeçou, comeu areia, imitou um camelo. Nada.

Foi aí que lhe veio a ideia: talvez não fosse uma piada de português. Talvez fosse uma piada de francês. Algo relacionado ao fato dele não tomar banho. O francês disse que era limpíssimo e que o mais provável era que a piada em questão recaísse sobre o americano. Este disse que nunca tinha visto uma piada de americano, que só torna essa piada melhor, respondeu o francês, porque ela é inesperada. O americano fez meia dúzia de americanices, sem efeito.

Eis que no horizonte surge, esbaforida, uma loura. Alguém viu meu papagaio?, ela pergunta. Perfeito!, diz o francês. É nele que mora a piada. Surge o papagaio. Mas ele é do tipo que não fala. Eles desistem. Exaustos, refestelam-se na areia, moribundos. Talvez isso não seja uma piada, diz o português. Talvez isso seja só uma coluna de jornal, que não precisa de graça para acabar. Talvez acabe de repente, sem piada. O que é que a gente faz?, pergunta a loura. Espera, ele responde. Espera.


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