Folha de S. Paulo


Tudo aconteceu em 1974

Quando sento em frente ao computador para escrever uma edição de Futebol na Rede, já sei exatamente o que vou dizer. O tema de hoje já estava definido, seria a mania que os profissionais têm de dizer sempre a mesma coisa, toda vez que questionados sobre a má qualidade do futebol apresentado atualmente: "vocês precisam ver que o futebol mudou".

Gastaria alguns parágrafos para dizer que a evolução na preparação física dos atletas fez com que as partidas tivessem um ritmo mais acelerado, mas que isso não é motivo para os técnicos armarem suas equipes de maneira tão defensiva e que o talento dos jogadores vai ser sempre fundamental, ainda mais nos dias de hoje, quando boa parte das equipes atua com o mesmo sistema tático. E, ao final, quando escreveria como a nova geração de torcedores ainda consegue se encantar com o futebol, comecei a divagar - talvez aproveitando o clima de feriado aqui em São Paulo - em qual momento o esporte começou a fazer parte da minha rotina.

Foi durante o ano de 1974 que descobri o quanto um jogo de futebol pode ser fascinante, pois, em questão de segundos, ele pode transformar lágrimas de desespero em gritos de felicidade. Até então, para um garoto de quase seis anos de idade, o futebol se resumia apenas na troca de passes com o pai em algum parque ou a uma eventual ida ao estádio, onde, o mais importante que o próprio jogo era as guloseimas consumidas no estádio.

O ritual de passagem começou logo no início daquele ano, em uma partida entre Palmeiras e Internacional - que só depois de muito tempo descobri que valia pelo quadrangular final do Campeonato Brasileiro de 1973. Foi a primeira vez que eu chorei em um campo de futebol. No momento em que os gaúchos fizeram o primeiro gol do jogo, procurei o colo da minha mãe, corintiana, com lágrimas nos olhos. Logo também fui consolado por meu pai e por vários torcedores em volta, que estavam tristes como eu, mas não choravam, dizendo que a virada aconteceria. E realmente ela veio. Quando o zagueiro Luís Pereira fez o gol da vitória, as lágrimas de tristeza se transformaram em um sorriso e infinitos saltos na arquibancada, além de ser cumprimentado por todos os mesmos torcedores que me consolaram na hora do gol do Internacional.

A Copa do Mundo da Alemanha também aconteceu naquele ano. E, com as transmissões em cores, descobri que a Holanda usava uma vistosa camisa laranja. Mas, além do uniforme, o que me impressionava era a forma como os holandeses atuavam. Na minha visão, eles jogavam como o meu time da escola, ou seja, perto da bola estavam todos os jogadores. Também foi naquele Mundial que dei muita risada com o técnico Zagallo soltando um sonoro palavrão depois que o Brasil fez o terceiro gol contra o Zaire. Não fiquei chateado porque o Brasil perdeu para a Holanda, nem me importei com o título da Alemanha, pois ainda não sabia o significado de ser campeão.

Essa sensação eu tive no final do mesmo ano, em um jogo entre Palmeiras e Corinthians. Desde o momento em que meu pai me disse: "Domingo nós vamos ao jogo!" - durante anos foi a frase que eu mais gostei de ouvir - sabia que aquela partida seria especial. Já no caminho para o Morumbi, que nos anos 1970 era uma viagem sem fim - o clima era diferente. Meu pai estava mais tenso e pouco falava, e nos carros e ônibus vizinhos só se via corintiano. No estádio lotado, tive de sentar no colo do meu pai. Tenho poucas, mas marcantes, lembranças daquele jogo. Uma delas foi uma bolada que Dudu - volante palmeirense - levou em uma cobrança de falta chutada por Rivellino, em que o camisa 5 do Palmeiras desmaiou em campo. O único gol do jogo eu vi muito bem, já que estava sentado atrás da meta. O lançamento alto para área, o toque de cabeça do Leivinha e o chute do Ronaldo. Ainda guardo a sensação de voar, pois, no momento em que a bola bateu na rede, meu pai não se conteve e me jogou para cima. Por fim, enquanto poucos estavam no estádio comemorando, Dudu e Ademir da Guia vieram na nossa direção e ergueram a taça. Aí sim, descobri a emoção e a importância de se ganhar um título.

Prometo que nas próximas edições volto a discutir se o futebol realmente mudou. Agora, convido a todos a se lembrarem de um jogo importante que viram. Eu vou perder mais um minutos nas minhas recordações.

Até a próxima!
Mais pitacos em: @humbertoperon

DESTAQUE
Para a seleção brasileira, que fez duas partidas boas contra Honduras e Chile. Esses amistosos foram importantes para Luiz Felipe Scolari entender que ele precisa testar uma forma de jogar sem um centroavante fixo - tipo de jogador que ele sempre escalou em seus times. Pois, sem a presença de Fred, nenhum jogador da posição mostrou que pode substituir o atacante do Fluminense.

ERA PARA SER DESTAQUE
O Corinthians foi muito mal no Campeonato Brasileiro. Mas a grande decepção do torneio é o Internacional. Com o elenco que tem, o time gaúcho era um dos favoritos ao título, mas termina o torneio de forma melancólica, até correndo o risco de ser rebaixado.


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