Folha de S. Paulo


O negócio não se sustenta sem paixão

Ninguém pode ser contra a total profissionalização do nosso futebol. Mas esse caminho só será sedimentado quando conseguirmos ter bons gestores. Hoje, até contamos com teóricos, com algumas ideias embrionárias, mas que, envolvidos em grandes planos de mídia, gráficos, pesquisas, palestras e na criação de cursos de gestores especializados em futebol, parecem esquecer os torcedores.

Deixam de lado, em especial, aqueles que, aparentemente, têm menor poder aquisitivo e que não se enquadram no perfil sonhado pelos consultores, pois são "apenas" torcedores e não consumidores, como parecem querer aqueles que pregam a modernização do nosso futebol. Todos os planos, que incluem termos como "valorização da marca", "fidelização do torcedor", "aumento de receita", deixam muito claro que há uma forte tendência da elitização do futebol.

Ou seja, o moderno, atualmente, faz nosso futebol voltar ao início do século passado, quando era um esporte de elite, com termos pomposos em inglês. Pode parecer um exagero, mas preste atenção em algumas expressões usadas comumente por especialistas na modernização do nosso futebol: "naming rights", "budget" e "bussines plan".

Só a falta de conhecimento do que acontece nas arquibancadas pode fazer alguém dizer que é prejudicial para um clube baixar o preço do ingresso, em algumas partidas, para ter mais público no estádio, como aconteceu com o São Paulo recentemente. Esses analistas esquecem que o clube só queria levar ao estádio seu torcedor mais fiel, aquele que não mede esforços para pagar 100 reais numa final de campeonato, mesmo sabendo que esse dinheiro irá fazer falta no seu orçamento.

Falta àqueles que se acham os salvadores do nosso futebol a humildade de saírem de seus gabinetes, ou até de seus camarotes em estádios com cadeiras confortáveis e sentarem nas arquibancadas.

De tão ligados apenas ao "negócio", esquecem que, com o ingresso mais barato, mais pessoas vão ao estádio e, consequentemente, poderão consumir mais lá dentro. Os especialistas parecem também não saber que esse cara que paga dois reais pela entrada, diferentemente daqueles que frequentam os camarotes, se importa de fato com a situação do clube, sabem do seu dia a dia e são responsáveis pelo crescimento da sua torcida, pois, para alguns, o único lazer é levar o filho ao jogo de futebol - alguns tratam como obrigação transformar o herdeiro em torcedor de seu time.

Não há nada de errado em termos lugares nobres no estádio, o que não posso concordar é que só se tem investido nesse tipo de acomodação - as novas arenas que estão sendo construídas é um bom exemplo disso - e desfavorecendo os torcedores comuns, cada vez relegados a posições ruins nos estádios e pagando caro por isso.

Será que ninguém percebeu que o torcedor de arquibancada só compra uma camisa pirata porque não tem 199 reais para adquirir uma original? Por que esses novos gestores não convencem os fabricantes de camisas a fazer uma réplica mais barata?

Não há um torcedor de futebol como o brasileiro. Por isso, não é possível copiar literalmente as fórmulas de sucesso de clubes de grandes países da Europa. A fórmula de sucesso da administração dos nossos clubes nunca pode deixar de lado a paixão dos torcedores e suas necessidades.

Até a próxima!
Mais pitacos em: @humbertoperon

DESTAQUE
Para o Botafogo, que supera todas as suas dificuldades - de elenco e financeiras - e prossegue entre os primeiros colocados do Campeonato Brasileiro, jogando um futebol convincente. Méritos do técnico Osvaldo Oliveira, que conseguiu montar um time que tem craques como Jefferson e Seedorf, jovens como Dória e Vitinho e jogadores que sempre foram coadjuvantes, mas que, com o apoio do treinador, vivem o auge de sua carreira, como o caso do atacante Rafael Marques.

ERA PARA SER DESTAQUE
Para aqueles que não param de afirmar que o Campeonato Brasileiro longo, é bom dizer que já se passaram 16 rodadas, e que um clube que passa 12 rodadas - quase um terço do total do torneio - sem vencer, como no caso do São Paulo, por mais que tenha tradição e um elenco caro, vai ter de lutar muito para escapar das últimas colocações.


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