Folha de S. Paulo


Feliz, mas muito longe de estar satisfeito

Todos temos um amigo que, de tão fanático torcedor de um time, nos faz parecer que não sentimos nada por nosso clube. O meu tem o nome de Carlos. Já relatei neste espaço duas histórias sobre seu amor incondicional ao Palmeiras. "O menino não está encaminhado!" e "Vida de torcedor: a maldição da feijoada".

No último domingo, o encontrei pelo bairro e já estava me preparando para ouvir suas opiniões exageradas e entusiasmadas - sempre com críticas à imprensa, que adora falar mal do seu clube - sobre a excelente campanha do Palmeiras na Série B. Também pensei que não faltariam gozações ao mau momento vivido pelo São Paulo, que, para o meu amigo, é o maior inimigo do Palmeiras.

"Você deve estar insuportável, pois o Palmeiras não para de ganhar", foi minha saudação.

"Não vou negar que estou feliz. Faz muito tempo que o Palestra não emendava uma sequência de resultados positivos tão longa. Também é bom saber que o seu time está entrando em campo com a convicção da vitória. Mas mesmo com esse cenário não me dou por satisfeito", ele disse.

"Pode ser que essa passagem pela Série B fosse fundamental para que o Palmeiras possa voltar a ser uma potência do nosso futebol", tentei retrucar.

"Isso é uma grande bobagem. A Série B nunca faz bem para uma potência como é o Palmeiras. Esqueça essa balela de reconstrução. Isso diz quem nunca passou o tormento de estar na Série B. Caímos em 2002, voltamos em 2003 e muito pouco mudou no clube. Ele continuou sendo mal administrado, gastando rios de dinheiro, o que nos levou a outro vexame no ano passado. Não me venha com esse papinho de que você e seus colegas gostam de dizer que a queda foi importante para o Corinthians, o Grêmio e o Atlético-MG. Na verdade, o ano em que eles ficaram na Série B foi um retrocesso. Se o Corinthians não tivesse caído, com certeza teria conquistado a Libertadores antes. O crescimento do Corinthians se deve à habilidade que eles tiveram de aumentar a arrecadação. Portanto, nada tem a ver com a Série B", escancarou.

"Bem, de qualquer maneira, o acesso vai ser tranquilo.", tento melhorar o ânimo do meu amigo.

"Sim, mas como eu te disse: no futebol, o que vale é a questão financeira. O Palmeiras tem muito mais dinheiro que os outros times e por isso está levando tanta vantagem. O salário que ganha um ou dois jogadores do Palmeiras paga a folha salarial inteira da maioria dos clubes da Série B. O domínio seria maior ainda se o time tivesse uma situação econômica melhor."

"Mas o time está jogando bem", tento argumentar, para ver até onde vai seu desanimo.

"Eu não vejo essa evolução toda. O time vem ganhando, o que é muito diferente. Mas, se você observar, o Palmeiras vence muitos jogos por 2 a 1, 1 a 0 e nessas vitórias chega até a sofrer pressão de timecos. Aliás, é bom dizer que a Chapecoense, gastando muito menos, tem uma campanha tão boa quanto a nossa.", completou.

"Poxa, mas o Palmeiras está formando uma boa base para o próximo ano", comento.

"Será mesmo? Acho que o clube está gastando demais nessa campanha da Série B. Não se pode esquecer que o clube não descarta perder jogador para diminuir o valor da folha salarial. Desculpe, mas quem faz isso não está pensando no futuro. Se o pensamento fosse esse, o clube aproveitaria a moleza da Série B para lançar jogadores jovens, o que não está acontecendo. Pelo contrário, a cada semana o time despacha uma de suas promessas para ficar com jogadores que não estavam sendo aproveitados em outros times. E nem na Copa do Brasil vamos saber se esse time é forte, pois no "mata-mata" qualquer time medonho, com um pouco de sorte, pode ganhar o título", disse ele.

"Mas o Marcos César - personagem do texto "O menino não está encaminhado!"- deve estar vibrando", já que como era o Dia dos Pais, me lembrei do filho dele.

"Sim, está feliz da vida. Mas vou te dizer a verdade: o título da Copa do Brasil do ano passado ajudou bem mais no fanatismo dele. O problema na Série B é quando ele me pergunta qual o principal jogador do outro time. Isso quando ele não me fala que nem sabia que existia o clube que o Palmeiras está jogando. Desculpe, mas não dá para saborear uma vitória sobre o Icasa", esbravejou.

"E a situação do São Paulo? Tem contado muitas piadas e irritando os são-paulinos?", pergunto.

"Que nada. A coisa para eles está feia. Mas como posso falar algo do São Paulo se o Palmeiras está na Série B? Como tirar sarro de alguém que pode chegar ao inferno se a gente ainda está lá?"

Antes que eu fizesse outra observação, Carlos se antecipa: "O Palmeiras nasceu para ser bi do Mundial, da Copa Libertadores e não bi da Série B. Desculpe, mas, por mais que o time levante a taça, não dá para o palmeirense ficar satisfeito por ganhar um campeonato de segunda classe". Meu amigo, sabendo que eu demoraria a retrucar sua afirmação, virou as costas e foi embora sem se despedir.

Até a próxima!

Mais pitacos em: @humbertoperon

DESTAQUE

Não se pode mais aceitar que os nossos campeonatos sejam interrompidos nas chamadas "datas Fifa". É um absurdo, principalmente com o crescimento do número de estrangeiros atuando aqui no Brasil, que os clubes sejam obrigados a jogar desfalcados de seus principais jogadores.

ERA PARA SER DESTAQUE
Vários clubes em má situação tentam desesperadamente achar reforços para melhorem seus elencos. Mas é bom lembrar que o máximo que esses times vão conseguir agora são jogadores que servem apenas para complementar - quando não inchar - o elenco


Endereço da página:

Links no texto: