Folha de S. Paulo


A delicada dança dos inovadores e investidores

Com objetivos distintos, os inovadores e investidores do planeta precisam uns dos outros. A dificuldade, curiosamente, em geral não está associada à falta de capital. Em cada uma das escalas de minha volta ao mundo, de Dakar a Recife, de Manilha a Hong Kong, ouvi quase exatamente a mesma frase: "Há dinheiro neste país, mas as pessoas que o têm resistem a investir em empresas virtuais ou negócios de risco".

Tendo acumulado seu capital no mundo da solidez, essas pessoas desconfiam do virtual, e não estão acostumadas a investimentos de risco nos quais prima a incerteza, sempre significativa quando o assunto é investir em uma startup.

Mas essa reticência podem, ainda assim, desaparecer pouco a pouco, de diferentes maneiras, de acordo com as condições de cada país. No Brasil, Fred Aruda, sócio do NascenTI, um fundo local de investimento, se queixa do fato de que "o país sofre por o dinheiro ser mal investido", em shopping centers, por exemplo, mas sinaliza que "isso já está começando a mudar".

Na Rússia, Andrey Gershfeld, sócio do fundo de investimento moscovita ABRT, explicou que "já faz alguns meses que estamos registrando a criação de novos fundos [de investimento] em meu país. O dinheiro provém em muitos casos de homens de negócios que o ganharam com negócios off-line. Falta-lhes experiência, mas eles têm ambição e capital suficiente para investir no futuro".

A pergunta, portanto, passa a ser: o que os faz mudar de opinião?

O gatilho é sempre o sucesso de uma empresa local.

Em Israel, ele foi a venda da Mirabilis, uma pequena companhia criada por quatro rapazes que criaram o ICQ, o primeiro bom sistema de mensagens instantâneas, adquirida pela America Online por US$ 400 milhões em 1998.

Na Índia, entre muitos outros exemplos oferecidos pelo enorme país, identifiquei a venda da Indiagames à Disney como deflagradora de uma dinâmica semelhante, pelo menos em Mumbai.

Em um primeiro momento, as startups dos países emergentes buscam recursos em seu ambiente imediato (friends and family), para trabalhar durante semanas ou meses em sua ideia inicial. Depois, ingressam em um sistema organizado, quase sempre seguindo as três etapas chave: formulação da ideia, criação do protótipo operacional e teste para avaliar a reação do mercado.

O primeiro nível muitas vezes surge de um "startup weekend" durante o qual um pequeno grupo de inovadores tenta dar forma às suas ideias. As melhores propostas são selecionadas.
O caminho mais utilizado para a etapa subsequente é passar por um "acelerador", um programa de aproximadamente três meses durante o qual a empresa iniciante conta com espaço e alguma assessoria (com base nos modelos da Y Combinator ou da Tech Stars). O processo culmina com o "demo day", a oportunidade de exibir o projeto e tentar convencer uma audiência de investidores dispostos a arriscar pequenas quantias nessa fase de decolagem.

O passo seguinte é sair em busca de usuários e clientes. Alguns transitam por uma incubadora na qual poderão aperfeiçoar com seriedade sua tecnologia ou seu melhor plano de negócios. É nesse momento que começam a atrair as atenção dos investidores de capital de risco, prontos a colocar na balança quantias mais polpudas.

O trajeto é a um só tempo instigante e difícil, mas a inconveniência do modelo que tende a se generalizar é a de que nem sempre ele se enquadra a todas as situações. É preciso adaptá-lo.
Foi o que ocorreu, por exemplo, no caso de Mahesh Murthy e Vishal Gundal, dois empreendedores de Mumbai que, depois do sucesso, criaram "excubadoras" - grupos de startups com as quais eles mantêm contato quase contínuo mas às quais não oferecem um espaço comum. O processo permite que eles ajudem as empresas iniciantes sem ter de alugar um imóvel cujo custo seria muito elevado na gigantesca metrópole indiana.

O dinheiro –sempre indispensável, ainda que em montantes não tão grandes, especialmente nos países emergentes ou em desenvolvimento– não deve ser desvinculado da importância do capital social. Conselhos e relacionamentos são determinantes, como bem compreendeu Maciej Cegłowski, um desses elétrons livres tão comuns na região de San Francisco.

Nascido na Polônia, naturalizado norte-americano e apaixonado pela Argentina –e portanto aberto ao mundo–, Ceglowski lançou recentemente o Pinboard Investment Co-Prosperity Cloud, um fundo para o qual convidou seis startups, às quais ofereceu exatamente US$ 37. Considerando que "os custos operacionais são desprezíveis", ele promete toda ajuda e toda visibilidade de que elas necessitem "para conseguir seus primeiros clientes".

Essa forma de investimento frugal, baseada em intercâmbios e na facilitação de relacionamentos, já está germinando um pouco em todo o mundo, começando do coração da África, por meio de iniciativas de trabalho compartilhado como a iHub, de Nairóbi, e a JokkoLabs, de Dakar.

Tradução de Paulo Migliacci


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