Folha de S. Paulo


Seleção adversa vai de Brasília até 'dedo podre' para escolher parceiros

Lula Marques - 2.jul.2009/Folhapress
ORG XMIT: 340801_0.tif BRASÍLIA, DF, BRASIL, 02-07-2009, 13h40: Sombra de uma bandeira do Brasil em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília (DF). (Foto: Lula Marques/Folhapress)
Sombra de uma bandeira do Brasil em frente ao prédio do Congresso Nacional, em Brasília

"O editor é aquele que sabe separar o joio do trigo"... e publicar o joio", diz a antiga piada jornalística. A peneira de qualquer seleção embute critérios, ora explícitos, ora despercebidos. O da seleção natural é a sobrevivência dos mais adaptados; o da seleção de futebol, a excelência (assim esperamos).

Mais sutis são os critérios da seleção adversa. Para começar, ela nunca é declarada: ninguém enuncia que vai escolher os piores. Depois, sua existência nem percebida é.

Um exemplo chocante e atual: imagine uma profissão que dê status, sustento, que imponha celibato a homens, que os coloque em posição de poder junto a muitos meninos... e você selecionará homossexuais pedófilos.

Outro exemplo: uma profissão que tenha foro privilegiado, seja capaz de livrar da cadeia seus criminosos através de voto corporativo, que tenha acesso ao dinheiro público por decisão de seus pares, e que seu lugar de trabalho seja uma estranha cidade isolada... e você terá muito mais que 300 picaretas.

Comemorando Lutero, somos herdeiros da contrarreforma: ela seleciona autoritários, centralistas, sebastianistas, burocratas, conchavistas, bajuladores e corporativistas, inibe empreendedores e incentiva parasitas que esperam tudo de El-Rei. Que tal?

Mas, o que estou falando? Até parece que a minha profissão escapa da seleção adversa. Se não, vejamos: ela também dá sustento e status, e parece bastar-lhe falar complicado, quase um dialeto parecido com o português, ser misterioso, parecer superior, e "não ter compromisso com a cura, mas com a busca do inefável". Ela atrairá um bando de imbecis pomposos.

A lista não termina: cidades pobres afugentam os belos e os inteligentes (o mesmo se aplica aos bairros e aos shopping centers pobres); profissões mal remuneradas que parecem fáceis selecionam profissionais fracos (um dos males do sistema educacional); profissões fodonas que parecem difíceis selecionam sadomasoquistas perversos; imunidade a demissões seleciona"... funcionários públicos, assim como impunidade seleciona criminosos e cultiva a corrupção.

Você não imagina a minha hesitação em escrever este artigo. A epidemia de ofendidos e de politicamente corretos seleciona vaselinagem e ausência de opinião, mesmo em artigos de... opinião. E produz o seguinte "disclaimer": claro que levo em conta os abnegados e devotados, os idealistas e os políticos corretos que conseguem furar a seleção adversa e ajudar o Brasil a andar. Mas eles nadam contra a corrente, este é o meu ponto. Se quisermos ser reformistas de fato, precisamos ter consciência dos critérios da seleção adversa: eles podem estar presentes em qualquer ato de escolha. E as eleições vêm aí...

Por fim, nossa mente também é capaz de seleção adversa: você já ouviu falar de "dedo podre" para a escolha de parceiros, não? Pois ele vem de processos inconscientes ligados ao complexo de Édipo: somos por ele levados a buscar alguém muito parecido com aqueles que nos ferraram em nossa criação, e tentar convertê-lo em alguém que corrija nosso passado, nos ame, nos perceba, nos considere e nos trate bem pelo resto da vida.

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