Folha de S. Paulo


O menino no armário

"Por dentro, com a alma atarantada, sou uma criança e não entendo nada" (Erasmo Carlos)

Seja porque a vida de gente grande é uma pedreira, seja pela neotenia -o apego à forma jovem, a característica mais bela de nossa espécie-, o fato é que há homens que nunca deixam de ser meninos pela vida afora (assim como há aqueles que parecem nunca tê-lo sido).

O homem-menino é algo que andou em moda nos anos 70, "o homem sensível que tem um lado feminino". Mas isso é uma tolice que só os atrapalha. Acontece que, para os homens, tornar-se adulto (ou a configuração tradicional de adulto) é um fardo muito maior do que o é para as mulheres: elas podem continuar meninas, e serão encantadoras por isso.

O homem-menino é aquele que tem uma delicadeza e uma capacidade de encantamento, de se maravilhar, de não ser blasé, de brincar e de brinquedos, de não ambicionar ser rico a qualquer custo, de ter vontade de rir o riso belo e brincalhão (diferente do riso sádico, do riso com a desgraça alheia), de gostar de amizade e de ter amigos, de precisar de colo, de ser consolado das agruras do mundo, de ser compreendido, de se emocionar com a beleza, de chorar quando vê justiça sendo feita, de ter compaixão, de se sentir criativo, de apenas tolerar trabalhos burocráticos, de ser curioso, de se aventurar pelas coisas que lhe trazem ventura, sem deixar de ter medo.

Então, o homem-menino pode continuar menino, e será encantador por isso, certo? Claro, mas as coisas não são assim tão fáceis. As feministas se queixam de opressão, mas nós homens crescemos oprimidos por um modelo de homem-adulto, um "gente grande", que é um horror: ele é sisudo e se leva a sério. Tão a sério que nem pode citar Saint-Exupéry e o homem sério que o Pequeno Príncipe encontrou num planeta: "Mas ele não é um homem, é um rabanete!"

Porque o homem-adulto padrão tem medo de viadagem: por mais que goste de mulher, homem-adulto tem medo de que pensem que ele, no fundo... E aqui voltamos aos anos 70: seu medo é de parecer ter coisas femininas. Isso começa na infância: antes de haver a noção de homoerotismo, comportamento de menino é patrulhado, não através de acusá-lo de gay, mas de "mulerzinha" (assim, sem o "h"), um antimodelo de que aprendemos a ter horror. Não admira que tenhamos tanto medo de mulher...

Com isso, cria-se um problema: o menino no armário. Assim como muitos gays têm problemas de assumir seus desejos, muitos homens têm vergonha de ser meninos, e fazem tudo para disfarçar, fazem de tudo para que pareçam gente grande, até porque estão convencidos de que as mulheres não os aceitarão como meninos. O pior desses disfarces reativos é incorporar o personagem fodão: arrogante, superseguro, superadulto que humilha (inveja?) meninos e mulheres. Parece o pitboy-supermacho que persegue os gays.

Esses "adultos" empurram o menino neles para a clandestinidade, para o vício, para as drogas, para a transgressão. Uma pena.

Mas existe saída: o homem-menino autossustentável. Ele paga suas contas, é responsável, mas continua menino, e gosta disso. E as mulheres também o acham adorável!


Endereço da página: