Folha de S. Paulo


Inveja da vulva

Esse nome estranho é do equivalente feminino ao pênis: a genitália externa visível das mulheres, sobretudo na moda depilada. E invisível tanto no quadro "A origem do mundo" de Courbet, quanto na Claudia Ohana.
As mulheres têm, a despeito da imensa sinonímia, dificuldades em nomear sua genitália externa. Começando pela crença de que ela se chama vagina, quando isso é o nome que ganha o canal que vai do interior dos pequenos lábios até o útero, só visível em exame ginecológico.

Muitas a chamam de "lá" ("Estou com muita coceira lá", e apontam para baixo). Ora acham feio, ora obsceno, ora dão apelidos. Dentre os sinônimos jocosos, regionais, ou tabuísmos, meu predileto é a "perseguida", pois dá conta de sua qualidade de objeto de desejo dos homens, que suam para alcançá-la.

Mas meu assunto é que, ao longo dessas décadas de clínica, deparei-me com dois casos de explícita inveja da vulva, relatada por homens jovens. Ora, Freud havia descrito a famosa inveja do pênis, inconformismo das mulheres com o poder detido pelos homens de ter acesso a várias atividades que lhes eram interditas, a começar pela liberdade de urinar de pé, em qualquer lugar (infelizmente) e a qualquer hora.

Passo a palavra a eles, numa síntese do que consegui investigar a respeito dessa novidade: "É o poder! O que a gente inveja é o poder que elas têm sobre nós. O senhor sabe que é a mulher que nos escolhe, e nós sofremos o diabo nas mãos delas para sermos os escolhidos. E quando somos, precisamos mostrar serviço, precisamos apresentar uma bela ereção. E por acaso a gente manda no pênis? Esse bicho tem ideias próprias, e quando mais se precisa dele, essa é a hora de ele entrar em greve numa esplêndida brochada. E elas? Precisam por acaso se preocupar com ereção? Que nada! Elas MANDAM na vulva! Tudo o que precisam fazer é 'conceder seus favores sexuais'. O senhor por acaso já ouviu essa expressão aplicada a um homem? Elas têm a mão na torneira do que perseguimos. Elas controlam a 'perseguida', portanto, elas NOS controlam."

"E a expressão 'conceder favores' diz tudo: favores nunca são concedidos, eles criam dívidas e são cobrados. E não existe nada mais caro do que um favor, não tem preço combinado, como fazem as profissionais. As amadoras, ditas 'honestas', são caríssimas! E ainda se fazem de coitadas, coisa que nesse tempo de 'coitadistas' só faz aumentar os seus poderes. 'Ah, eles nos batem, ainda bem que tem a lei Maria da Penha'. E quando vão fazer a lei Helio de la Peña para nós? Há uma guerra entre os gêneros. Quando o assunto é sexo, mulher e homem estão em lados opostos da trincheira, arquitetando estratégias sobre o próximo golpe: nós, para o 'hit and run' (algo como 'comer e fugir'); elas, para cravar a bandeira da conquista sobre nossas cabeças, sim, sobre as duas. Mas não temos arma como a vulva!"

Esses pacientes me fizeram pensar: existe uma palavra para "odiar mulheres", misoginia. Existem os que dizem, "Se não fosse pela vulva, eu nem dava bom dia".

Não seria ressentimento, inveja desse poder?


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