Folha de S. Paulo


Dinheiro na Suíça

Alfred Kinsey, a partir de seus estudos sobre a sexualidade do homem americano, em 1948, fez uma escala muito prática sobre a orientação sexual masculina. Descreveu tipos de zero a seis, sendo zero o homem hétero para quem o desejo homossexual nem chegava a ser um assunto, por nunca lhe passar pela cabeça. O tipo 6 era o homossexual para quem o desejo hétero nem chegava a ser um assunto.

Os tipos 1 e 2 são héteros com crescente capacidade para desejo homo. Os tipos 4 e 5 são gays com decrescente capacidade para desejo hétero. Ele dizia haver o tipo 3, o bissexual perfeito, cujos olhos se atraíam igualmente por homens e mulheres (tenho lá minhas dúvidas sobre a existência desse 3, em 37 anos de clínica nunca o encontrei).

São os tipos 1 (eventual desejo homo) e 2 (frequente desejo homo) o assunto de hoje. Brinca-se que eles têm parte de seu capital erótico escondido num banco suíço. Não é que nunca movimentem seu dinheiro, mas é sempre uma aplicação complicada. São os que mais sofrem de conflitos internos e os que me aparecem no consultório.

Os saídos do armário podem ser vítimas de bullying e de assassinato, mas aí o problema é mais sócio-jurídico-policial. Se um tipo zero tem erotismo anal, prazer ao estímulo da mucosa externa e/ou interna do ânus, desfrutam dele (ou não) sem maiores problemas. Mas vá isso acontecer com os tipos 1 ou 2, e as encrencas começam.

Os obsessivos têm a idealização da pureza, portanto só conhecem preto e branco. Cinquenta tons de cinza lhes passam ao largo. Não à toa, o sintoma de neurose obsessiva mais comum entre os homens é o pensamento invasivo e profundamente perturbador de "será que, no fundo, eu sou gay?".

Porque, para eles, por mais que seus olhos persigam rabos de saia, não existe essa categoria de "às vezes olhar pro lado e achar um cara atraente". Ou é macho ou é gay, e ele "precisa se decidir". Creem firmemente numa verdade única e oculta. Não sabem que não há nada de "no fundo", ou "por trás", não entendem que tudo está na cara, basta olhar para certos políticos.

Para piorar, o desejo mais frequente entre os tipos 1 e 2 é passivo (danou-se!). Porque os homens sofrem com a obrigação de atividade, de ser gente grande, de proverem, ganharem a vida, apresentarem ereções vitoriosas às mulheres, "performar" (significa "ter bom desempenho") na cama, matar um leão por dia, serem vencedores...

Resultado: o desejo de ser menino, de ter um pai forte que resolva a vida por eles, no colo de quem possam descansar dessa moléstia de ser ativo, o desejo de se entregar a um homem protetor que lhes dê paz acaba ficando reprimido, e, portanto, poderoso: "É feio, é coisa de veado, se pelo menos eu quisesse estar por cima...", seguindo o mito que o desejo ativo é "menos gay".

A outra grande encrenca da turma é desenvolver o jeito oposto ao que se tem horror. "Tenho medo de ser veado? Serei um supermacho, portanto." Daí é que saem os pitboys marombados, os homofóbicos militantes, os assassinos de gays. É triste tanto sofrimento por tão pouco...

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